ENTREVISTA: Jorge Antônio Monteiro de Lima
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO IX – Nº 70 – Março– 2015
Entrevista: Jorge Antônio Monteiro de Lima
O diálogo como forma de acesso mútuo
Texto: Silvânia Lima | Foto: Carlos Siqueira
“... falta mais diálogo e respeito com o deficiente, para saber o que ele realmente necessita e transformar isso em ação”
A opção por ajudar pessoas com dificuldades levou o analista e psicólogo clínico, Jorge Antônio Monteiro de Lima, a pesquisar sobre deficiências, saúde mental e diferenças sociais. Por meio do Programa de Pós-Graduação em Antropologia, da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da UFG, em 2014, Jorge Antônio de Lima concluiu o mestrado, com a dissertação Um estudo sobre deficientes na UFG, na linha de pesquisa “Corpo, representações e demarcadores sociais da diferença”. Sob orientação da professora da FCS, Maria Luiza Rodrigues Souza, a abordagem buscou conhecer a construção da imagem da pessoa com deficiência, os aspectos da vida, do trabalho, da educação e sua interação com a sociedade.
Jorge Antônio de Lima é deficiente visual e há anos se dedica à reabilitação de deficientes. Ele tem contribuído para a estruturação de serviços públicos de referência em saúde e criou a Fundação Olhos da Alma Sã, que presta atendimento psicológico a pessoas com deficiência em comunidades carentes. Durante sua vida acadêmica, o pesquisador verificou a enorme carência de estudos na área e o equívoco dos estereótipos nos poucos existentes. Os resultados de sua pesquisa têm ajudado o Núcleo de Acessibilidade (NA) da UFG em suas ações. Jorge Antônio de Lima falou sobre o assunto ao Jornal UFG.
Como é tratada a temática Deficiência na sociedade?
Poderia dizer que as deficiências são um tema temido, e até polêmico, por gerar extrema reflexão sobre nossa atitude perante a vida e o próximo. Não é raro encontrar material que fale do deficiente a partir de um estereótipo criado socialmente. Esse esteriótipo se torna elemento de comunicação, discurso social e política de Estado, influenciando, inclusive, áreas de estudo. Evidenciei isso na pesquisa. Os materiais são escassos e, além disso, falam do deficiente sem proximidade, sem diálogo com ele.
Quais foram as principais conclusões de sua pesquisa?
A pesquisa apontou vários problemas na maneira como lidamos com a educação e a socialização dentro de um cenário de diferenças constitutivas da sociedade. Dos temas evidenciados, em primeiro lugar, está o preconceito, que foi constatado em 98% das entrevistas, ressaltando as dificuldades encontradas pela pessoa com deficiência para socializar, estudar e ter seu direito como cidadão assistido. O deficiente é rotulado como incapaz, vivencia enorme burocracia, é ignorado, tachado de preguiçoso e visto como algo incômodo. Vários professores entrevistados, falam da falta de treinamento, que não saberiam lidar com um aluno deficiente e suas demandas. Entre os 24 entrevistados na pesquisa, 22 disseram claramente que não existe diferença entre o que vivem os deficientes na Universidade ou em outros ambientes sociais
“A pessoa deficiente não é vista como sujeito ou pessoa, mas como um elemento constitutivo da diferença”
Comente mais sobre a estereotipia em torno do deficiente.
A pessoa deficiente não é vista como sujeito ou pessoa, mas como um elemento constitutivo da diferença. Isso foi evidente na pesquisa. Não observamos o indivíduo diferente em sua capacidade, mas o rotulamos por sua aparência, diferença pela ruptura dos padrões estéticos e corporais. Isso precisa ser questionado, por desdobrar toda uma construção social e de discursos, práticas, políticas setoriais e públicas. Existe um imaginário construído muito arraigado, que é necessário discutir e desconstruir para compreender a necessidade e a realidade da pessoa com deficiência. Esse não é um problema específico de uma comunidade, como a universitária, e, sim, de toda a sociedade.
Como você percebe a acessibilidade na universidade?
A acessibilidade é uma temática extremamente nova na universidade e, lamentavelmente, em toda a sociedade brasileira. O deficiente no Brasil ainda não tem o status de pessoa, cidadão, e sua realidade é complicada em quase todas as instituições. Hoje, temos uma evasão dos estudantes deficientes das salas de aula, que é superior a 40%. Na UFG, essa evasão é de aproximadamente 26%, o que é bem alta. Há poucos alunos em cursos de pós-graduação. Para estudar, o deficiente deve ter mais força de vontade, persistência e dedicação do que um aluno convencional. O trabalho existente para melhorar a acessibilidade na UFG está em sua fase inicial. O apoio ainda é precário. Entretanto, existem pessoas propondo mudanças. Há muito empenho do Núcleo de Acessibilidade, que vem criando propostas juntamente à administração da Universidade. Existem muitas barreiras atitudinais e arquitetônicas, mas o pior é a falta de mais diálogo e respeito com o deficiente, para saber o que ele realmente necessita e transformar isso em ação específica dentro da instituição. Há universidades mais dedicadas a essa discussão e enfrentamento, como a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), mas, de fato, não diria que temos um exemplo a ser seguido, mas um problema a ser solucionado.
Nesta Edição
Fonte: Ascom UFG
Categorias: entrevista deficiência saúde mental Pesquisa