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Universidade Federal de Goiás
luis vieira

Então, era Junho de 2013

Em 23/06/23 11:40. Atualizada em 07/07/23 11:56.

Série de artigos analisa as manifestações de junho de 2013 após dez anos

Luís Augusto Vieira*

luis vieira

Quando buscamos compreender as manifestações de Junho de 2013, um dos poucos consensos que parece existir é que aquele ciclo ainda carece ser melhor compreendido e explicado. Confusões e interpretações equivocadas que houve (e ainda há), povoaram as análises de acadêmicas/os, políticas/os, governantes, o conjunto das esquerdas e, por conseguinte, das organizações da classe trabalhadora.

Não sem motivos, naquele momento, o Brasil, aparentemente próspero em seu desenvolvimento econômico e social, foi surpreendido, em junho de 2013, com manifestações que, numa alusão à “velha toupeira” de Marx, cavou por baixo da terra, irrompeu na superfície, carregando tudo consigo em busca de ar, liberdade e melhorias na qualidade de vida.

Para a surpresa geral da nação, o povo que estava “deitado eternamente em berço esplêndido”, à espera da abertura de um evento que é sua maior paixão, o futebol, tomou as ruas parecendo não querer sair. Ninguém acreditou ao ver relegado a segundo plano a tal Copa das Confederações, de 2013, antessala da Copa do Mundo da FIFA, de 2014. Seja nas grandes metrópoles, seja nos rincões mais afastados do país, assistiu-se a vários filhos teus não fugindo à luta, gente que antes não era mais que transeuntes nas vias públicas e espectadores passivos da política diante da televisão, agora eram sujeitos ativos nas manifestações. No seu auge, em 20 de junho, mais de 1,5 milhão de pessoas foram às ruas, em mais de 400 cidades do Brasil. Aproximadamente, mais de 12 milhões de pessoas manifestaram-se por aqueles dias. (BRAGA, 2017).

Uma série de fatos e atos, se não episódicos – uma vez que desde a luta imediata pela redução das tarifas, até outras, como saúde e educação, fazia tempo constava na luta de entidades e militantes – confluíram, de forma descentralizada dos grandes centros urbanos, para a totalidade do país. Seguramente, todas as regiões geográficas e todos os estados brasileiros assistiram às mobilizações naquele período: junho foi um movimento de massas e nacional. Contudo é mais comum as análises debruçarem-se sobre o ocorrido nas capitais, sobretudo, nas do Sudeste, com destaque para São Paulo e Rio de Janeiro. Disparidades econômicas, políticas e outras ajudam a entender o porquê dessa centralidade, mas junho não se resumiu aos grandes centros urbanos e às capitais.

As manifestações, que tomaram Porto Alegre, no início de 2013, Natal e Goiânia, em maio/abril, São Paulo, Rio de Janeiro e o restante do país, em junho, foram, apresentadas de maneiras disformes, parecendo não haver movimentos nem lideranças à frente. Impressão apenas aparente, pois sempre havia algum movimento ligado ao passe livre, ou à redução das tarifas de transportes públicos urbanos organizando os atos.

A violência do Estado, via seu braço armado a polícia, tentava esvaziar as ruas fazendo uso de cassetetes, bombas de efeito moral e balas de borracha. Novos treinamentos e equipamentos foram utilizados e adquiridos. Os denominados P2 da Polícia Militar saíram do anonimato para conhecimento público. 

O uso sem precedentes da internet como ferramenta para denúncia, divulgação e convocação dos protestos, colocava-se de forma imprescindível. Tais informações geradas por essa rede alternativa furaram o bloqueio da mídia tradicional e permitiram à população informar-se sobre o que ocorria. Enquanto isso, os veículos tradicionais da mídia mudavam seu discurso e sua grade de programação para cobrir as manifestações.

As repostas do Estado, para além da violência, tiveram que ser dadas. A redução nas tarifas do transporte público urbano, ou o não aumento das tarifas, foi alcançada na maioria das cidades onde houve protestos. Políticos apressaram-se na tentativa de aprovar reformas que atendessem aos anseios das/os manifestantes. A presidência da república veio a público em cadeia nacional de rádio e televisão para tratar dos atos e propor soluções. Eram, portanto, os sismos provocados pelas ruas, abalando a política nacional.

Segundo o sociólogo e professor Rui Braga (2017), não só junho, mas o ano de 2013 tinha aberto uma nova conjuntura, uma nova era da luta de classes no país. Tem início uma crise do modo de regulação do projeto lulista, que combinava o consentimento popular com o consentimento das direções dos movimentos sociais.

Ou seja, mudanças substanciais, como o fim do apaziguamento social iniciado na era petista, estavam anunciadas, a luta de classes adquiria novos patamares. Era como se uma “janela ou porta da história” estivesse se abrindo. Junho era, então, o momento de eclosão. Restaria saber quem se aproveitaria dela e até quando aquele ciclo duraria. Afirmamos que, nesse primeiro momento, as forças conservadoras tomaram a dianteira, seja por promover um golpe parlamentar-midiático na forma de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT), seja por alavancar a vitória eleitoral do presidente de extrema-direita Jair Bolsonaro (à época vinculado ao PSL), em 2018. Mas ciente de que as “janelas e portas” ainda não cerraram, muitas lutas e Junhos virão. Com isso, entendemos que mais elementos devem estar na ordem do dia, ao analisarmos junho de 2013. O que pretendemos com novos artigos, publicados por aqui.

O segundo artigo será publicado na quarta-feira, dia 28 de junho no Jornal UFG

Bibliografia:

BRAGA, Ruy. A rebeldia do precariado: trabalho e neoliberalismo no Sul global. São Paulo: Boitempo, 2017.

*Luís Augusto Vieira é professor do curso de Serviço Social, do Câmpus Goiás – UFG e doutor na mesma área pela PUC-SP

Veja os outros artigos publicados:

Então, era Junho de 2013 

Os “Junhos”, de Junho de 2013

E quem estava nas ruas em junho de 2013?

Nem sempre, mas sempre Junho de 2013!

O Jornal UFG não endossa as opiniões dos artigos e colunas, de inteira responsabilidade de seus autores.

Fonte: Secom UFG

Categorias: Goiás junho 2013 artigo