SONS DE 73
A genialidade artística para burlar a censura
Maurício Vasconcelos Furtado*
1973. Morre Pixinguinha. Com o desejo de recordar um ano excepcional de discos, fiz uma resenha saudosista de músicas de alta qualidade, em comparação com a atualidade, registrando uma queda abissal do padrão musical. Os festivais de música foram os formadores desse acervo. Pacientemente, reuni todos eles em 33 rpm durante grande intervalo de tempo, para ter a possibilidade de uma análise mais rigorosa.
João Bosco
Artista: João Bosco
Gravadora: RCA
Com faixas carregadas de simbolismos que o(s) compositor(es) tinham para deixar atônita a censura, o disco tem ótima percussão e transmite uma energia ouropretana, onde estudou na Escola de Minas. Tem também apresentação de Tom Jobim.
Uma razoável estreia para quem logo depois fez obras brasileiríssimas com o parceiro Aldir Blanc, com arranjos de Luiz Eça e Rogério Duprat. Logo depois Elis homenageou a dupla em álbum daquele mesmo ano.
Em tempo: "Agnus Sei" foi lançado no Disco de Bolso do Pasquim (lado B, maio de 1972).
Sérgio Ricardo
Artista: Sérgio Ricardo
Gravadora: Continental
Com capa altamente sugestiva, com sua foto com uma tarja em sua boca representando a censura, o autor e cantor apresenta uma obra altamente engajada, acompanhado de músicos excelentes. Destaque para "Calabouço" e "Sina de Campeão".
Edu Lobo
Artista: Edu Lobo
Gravadora: Odeon
Com dois LPs gravados no Selo Elenco ("A música de Edu Lobo" e "Edu e Bethânia"), ambos solares e leves, o compositor da belíssima música "Marta Saré" lança naquele ano um disco irrepreensível, porém com arranjos orquestrais pesados que tiram a leveza da obra.
Músicas de alta qualidade desempenham um conjunto de belas canções, com destaque para "Incelensa" e "Oremus", com a voz de Milton Nascimento.
Milagre dos Peixes
Artista: Milton Nascimento
Gravadora: Odeon (EP e um compacto simples)
Obra violentamente destroçada pela censura, conseguiu sensibilizar os verdadeiros apreciadores de música no sentido puro da palavra. Muito silêncio, ou melhor, muito barulho musical.
Conta com músicos e cantores requintatíssimos e também com a participação de um dos três gigantes da nossa música: Radamés Gnatalli (os outros dois são Pixinguinha e Tom Jobim). Destaque absoluto para Clementina de Jesus em "Escravos de Jó".
Com trabalho gráfico criativo em embalagem, em uma capa que se desdobra muitas vezes e revela um pôster.
Para finalizar: a música "A última sessão de música" é uma gloriosa criação que transcende a própria obra do músico.
Francisco Alves
Dalva
Artista: Francisco Alves e Dalva de Oliveira
Gravadora: Odeon
Homenagem póstuma ao grande cantor e à grande cantora, feita por Hermínio Bello de Carvalho, com seletíssimo e emocionante repertório, com destaque absoluto da primeira gravação de "Aquarela do Brasil", por Francisco, e a gravação de "As pastorinhas", por Dalva. Outras gravações das duas músicas são de menor importância artística.
Ambos os álbuns vêm recheados de fotografias que deslumbram o apreciador de fotos da época.
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* Maurício Vasconcelos Furtado é professor aposentado da Universidade Federal de Goiás (UFG). Esta coluna é dedicada a José Eduardo Moraes e José Carlos Ortêncio.
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Fonte: Secom UFG
Categorias: colunistas