Nos seus 30 anos, Lapig é referência nacional na área de geotecnologias
2024 foi o ano de resgate da história do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento da UFG
Equipe Lapig: do encontro intelectual de dois professores a uma equipe referência internacional em geotecnologias (Foto: Lapig)
Carolina Melo
A história do Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) da Universidade Federal de Goiás (UFG) foi traçada pelo encontro intelectual entre dois professores do antigo Instituto de Química e Geociências (IQG) – hoje Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa): Zelinda Fanuch de Mendonça e Laerte Guimarães Ferreira Júnior. Em 1994, ano em que Laerte tomou posse como docente na Universidade, a então chefe do departamento de Geografia, Zelinda, havia vislumbrado a necessidade de criação do laboratório de sensoriamento remoto na unidade acadêmica. A combinação de eventos, a visão de inovação e as competências complementares dos docentes criou o terreno fértil para a consolidação do laboratório, hoje uma referência nacional em geotecnologias dedicadas à preservação dos biomas nacionais, especialmente do Cerrado.
"Eu fiquei sabendo que tinha chegado um professor exatamente na área de sensoriamento remoto, e eu estava precisando de alguém que pudesse me ajudar a criar o laboratório. Meu objetivo era dar mais qualidade ao curso de Geografia. Sem o laboratório era difícil até para dar aula. Ele era de extrema importância. E o professor Laerte me ajudou muito", lembra a professora aposentada Zelinda Fanuch de Mendonça.
"A professora Zelinda era uma pessoa enérgica, de muita visão. Dedicou a vida à UFG. Quando cheguei à Universidade, ela me deu essa missão e, ao mesmo tempo, me deu um apoio enorme", afirma o professor Laerte Guimarães.
Entre as sincronicidades, naquele mesmo ano de 1994, a Empresa de Ciência, Tecnologia e Desenvolvimento Econômico-Social (Emcidec) do Estado de Goiás tinha sido desativada e os equipamentos necessários para o trabalho com imagens de satélite e mapas foram então doados ao recém-formado laboratório da UFG, por meio de um convênio. Além disso, uma funcionária, a geógrafa Vanilda Aleixo, ficou à disposição do laboratório em período integral.
"Dos equipamentos doados, alguns eram defasados, outros tinham defeitos. Então, conseguimos junto ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a substituição dos equipamentos defeituosos e a atualização de softwares e sistemas a custo zero, na base da confiança", lembra o professor Laerte. O compromisso firmado entre a Universidade e o Inpe era de o laboratório promover a disseminação e uso de dados e produtos de sensoriamento remoto no Estado de Goiás. "Já o primeiro conjunto completo de imagens de satélite para o Estado foi adquirido pela professora Zelinda Fanuch com verba do próprio departamento".
Uma sala do terceiro andar do Museu Antropológico, na Praça Universitária, foi o lugar disponibilizado para sediar o laboratório. "Na época, o professor Marco Antônio Sperb Leite era assessor da Reitoria e estava à frente do recente Centro de Estudos Regionais (CER), que também ficava no museu". Mas não demorou muito para o Laboratório de Sensoriamento Remoto achar o seu lugar no então Instituto de Química e Geociências I (IQG-I), no Câmpus Samambaia, em 1995.
"Em janeiro daquele ano, eu já estava ministrando o primeiro curso gratuito, organizado junto com o geólogo Cidney Valente, do Serviço Geológico do Brasil (CPRM). Passamos os meses de janeiro e fevereiro capacitando técnicos do IBGE, da antiga Escola Técnica Federal de Goiás, Embrapa e da própria CPRM". Consolidava-se, assim, a rotina acadêmica do laboratório, que começou a atrair os primeiros bolsistas de iniciação científica e hoje coleciona ações de extensão e pesquisa de destaque nacional e internacional.
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Fachada atual do Lapig, no Câmpus Samambaia; primeira sede foi improvisada no prédio do Museu Antropológico (Foto: Lapig)
Alcance nacional e internacional
O Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) iniciou uma nova fase na Universidade após o doutorado do professor Laerte Guimarães Júnior, realizado em Tucson, no Arizona (EUA), entre 1997 e 2001. O avanço acadêmico impulsionou o centro de pesquisa da UFG a estabelecer parcerias científicas de destaque, incluindo colaborações com a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa), a Universidade de Stanford e o governo federal brasileiro, em pesquisas voltadas ao monitoramento do desmatamento do Cerrado e das pastagens nacionais. Paralelamente, o laboratório passou a atrair e integrar alunos de pós-graduação, fortalecendo suas atividades de pesquisa e formação acadêmica.
O professor da Escola de Engenharia Civil e Ambiental (EECA), Nilson Clementino, por exemplo, vinculou-se ao Lapig durante o seu doutorado, em 2003, antes de se tornar docente. A experiência resultou no desenvolvimento do Sistema Integrado de Alerta de Desmatamentos para a Amazônia Legal (SIAD-AM). O projeto, que propôs uma nova abordagem para o monitoramento da Floresta Amazônica, foi solicitado pelo governo federal por meio da Casa Civil e formalizado por um convênio entre a Universidade e o Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), no período de maio de 2004 a janeiro de 2006. Atualmente, o professor Nilson integra o corpo docente da UFG e é um dos colaboradores do Lapig.
"Eu cheguei ao Lapig focado na Amazônia, mas foi lá que descobri o Cerrado. O laboratório colocou o Cerrado no mapa do Brasil e do mundo", afirma o professor. Ao longo de sua vivência no laboratório, ele integrou a equipe do Projeto de Identificação de Áreas Prioritárias para Conservação da Biodiversidade de Goiás e participou ativamente da criação do Sistema Integrado de Alerta de Desmatamento para Goiás, que deu origem ao Sistema Integrado de Alerta de Desmatamento do Cerrado.
Entre as colaborações de destaque no currículo do Lapig estão sua participação, a partir de 2001, no Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia, fruto da cooperação científica entre a Nasa e o governo federal brasileiro; a parceria em 2008 com o Departamento de Ecologia Global da Universidade de Stanford, dedicada à pesquisa e mapeamento de pastagens; e a colaboração com a antiga Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, que, em 2014, encomendou um estudo sobre a radiografia das pastagens brasileiras.
No mesmo ano de 2014 foi realizada uma reunião em São Paulo para a criação do MapBiomas – que visava a colaboração científica para a geração de dados sobre o uso da terra – e o Lapig se fez presente. A iniciativa foi concretizada por uma rede colaborativa composta por ONGs, universidades e empresas de tecnologias, organizadas por biomas e temas transversais. O laboratório da UFG, desde o primeiro encontro, ficou responsável pelo tema das pastagens.
"Quando tivemos quatro projetos apoiados e financiados pela Nasa para estudar o Cerrado em termos de mudanças de cobertura e uso das terras, carbono e recursos hídricos, o Lapig passou a ser conhecido. Tenho enorme gratidão à UFG, uma universidade pública que me acolheu e a quem sempre busquei defender. Começamos a ser referência no Brasil e fora dele, e isso me dá bastante orgulho", afirma o professor Laerte Guimarães.
O laboratório, que desde o início buscou se tornar referência nacional na utilização de dados satelitários de resolução espacial moderada para o monitoramento biofísico-ambiental e a governança territorial, conforme alcançava seu objetivo, foi se fortalecendo dentro do espaço acadêmico da UFG. Em 2007, obteve sua sede própria, construída com o apoio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), e em 2013 expandiu suas instalações físicas.
"É importante que se diga, sempre tivemos bons parceiros. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) estiveram com o laboratório ao longo de sua história. Temos apoio do governo federal, estadual, de iniciativas privadas e associações da sociedade civil. Para nós, não importa de onde vem o recurso, mas, depois que ele chega, ele sempre será revertido em ações que sejam importantes para a sociedade", destaca o professor Laerte.
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Lapig tem hoje 62 estudantes de graduação, oito de mestrado, 24 doutorandos e sete professores (Fotos: Lapig)
Geoprocessamento e os drones
Desde tecnologias de softwares até às de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANTs) – conhecidos como drones –, o Lapig foi acompanhando as transformações do tempo, com a especial contribuição do professor Manuel Eduardo Ferreira. Sua trajetória no laboratório começou em 2003, quando assumiu o cargo de professor substituto. Em 2012, três anos após se tornar docente efetivo na UFG, seu interesse por drones possibilitou a criação de um novo núcleo de pesquisas, o Pro-VANT, dedicado ao estudo e desenvolvimento de técnicas de sensoriamento remoto aéreo.
A primeira parceria externa do Pro-VANT ocorreu em 2013 com o Ministério Público, visando avaliar, por meio de cobertura aérea, uma área afetada pelo rompimento de uma barragem em uma região rural do estado. "Trata-se de uma parceria duradoura, que ainda se mantém ativa sempre que o órgão precisa de apoio", afirma o professor. Entre 2013 e 2016, o núcleo do Lapig também esteve envolvido no monitoramento da fauna, da flora e em projetos de reflorestamento em colaboração com o WWF (World Wildlife Fund – em português, Fundo Mundial da Natureza).
"Em parceria com o WWF, instituímos o projeto Ecodrones, o que nos proporcionou a oportunidade de realizar trabalhos de campo na Amazônia, na Mata Atlântica e no Cerrado. Como resultado dessas colaborações, recebemos um drone de cada instituição parceira", recorda o professor Manuel Ferreira.
Desde 2024, entre diversas atividades, o Pro-VANT se dedica a uma parceria com a ONG internacional The Nature Conservancy (TNC) Brasil. A TNC vem investindo no laboratório em várias frentes, interessada em aplicar recursos voltados à recuperação de áreas degradadas e à conservação de ecossistemas naturais.
No contexto do núcleo de Veículos Aéreos Não Tripulados, o foco da ONG tem sido o investimento de drones de última geração equipados com sensores a laser capazes de realizar representações tridimensionais do ambiente. Essa tecnologia permite calcular métricas florestais e avaliar a eficiência dos processos de recuperação ambiental, incluindo estimativas de biomassa e carbono.
"A TNC capta recursos por meio de fundos internacionais destinados a investimentos em áreas com potencial de acúmulo e crédito de carbono. Nosso papel é desenvolver protocolos de uso dos drones – desde os mais complexos até os mais simples – para estimar o carbono presente na superfície", explica o professor Manuel. "A cada projeto em que nos envolvemos, conseguimos captar recursos de fundos públicos e privados, aprimorar nossos instrumentos, integrar mais estudantes de graduação e pós-graduação e compartilhar conhecimentos".
O compartilhamento científico de dados, conhecimentos e informações está na cartilha simbólica que todos os pesquisadores do Lapig recebem, quando se vinculam ao laboratório. "Temos um princípio essencial que, embora não esteja formalmente documentado, nos guia em todas as atividades: tudo o que produzimos deve ser compartilhado. Acreditamos na colaboração, na ciência aberta, em criar oportunidades e compartilhar. Tudo o que nós fazemos, dados e códigos são abertos", afirma o professor Laerte Guimarães.
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Mapa mostra pastagens no Cerrado: de acesso público, Atlas das Pastagens foi gerado no âmbito do MapBiomas (Imagem: Reprodução)
Conhecimento acessível
Uma vertente valorizada pelo laboratório de sensoriamento remoto da UFG é a ampliação do acesso ao conhecimento científico. Seja por meio da formação de recursos humanos – considerada pelo professor Laerte um dos aspectos mais importantes do laboratório –, seja por suas produções que buscam aproximar a ciência do público em geral, o Lapig vem construindo caminhos para fortalecer seus laços com a sociedade.
Entre as ações atuais que respondem às solicitações espontâneas da sociedade, o laboratório vem mapeando e monitorando os remanescentes da vegetação nativa do Estado de Goiás a partir de uma demanda da Secretaria do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Goiás. O objetivo é identificar a vegetação e sua fitofisionomia para a produção de um atlas. Outra iniciativa é a execução de uma plataforma para validação de dados de monitoramento ambiental no Estado de Tocantins.
Após a criação do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Ciência do Fogo (Nepef), idealizado pela professora Noely Ribeiro, o laboratório também executa projetos de educação ambiental. Ainda no âmbito do Nepef, o laboratório finalizou recentemente um importante curso de especialização de combate a incêndios florestais para um grupo de 60 bombeiros de todo o Brasil, demandado pelo Ministério da Justiça, como explica o professor da EECA/UFG, Nilson Clementino.
Numa outra vertente, o projeto de extensão "Lapig na Escola: a geotecnologia ao alcance da comunidade escolar", que iniciou suas atividades recebendo estudantes do ensino fundamental e médio no laboratório, vem executando ações de capacitações na área de educação ambiental e geotecnologias junto à Secretaria Estadual de Educação (Seduc). "Este ano, fizemos capacitações em escolas de 42 municípios. O objetivo é ensinar os professores a trabalharem com as temáticas e ferramentas em sala de aula", explica a coordenadora do Lapig, Elaine Barbosa Silva.
Outro projeto em que o Lapig participa, em parceria com a Seduc, é o Caminho de Cora, que promove a educação ambiental. Nesse contexto, o laboratório desenvolveu um atlas sobre a biodiversidade da região, em linguagem acessível ao público escolar.
Para quem tem interesse em aprender um pouco sobre as linhas de estudo do laboratório, uma oportunidade é participar das edições do Lapig Conect. O evento reúne os pesquisadores para debater sobre suas temáticas de ensino e conhecimento.
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Intercâmbio: pesquisadores do Lapig em viagem à Indonésia para ministrar capacitação a parceiros do MapBiomas (Foto: Arquivo Pessoal)
Equipe
De trabalhos de monitoramento das queimadas no Cerrado e Amazônia, passando pelo mapeamento do uso de solo, dos remanescentes e das pastagens nacionais, até a utilização da tecnologia de drones, o Laboratório de Processamento de Imagens e Geoprocessamento (Lapig) hoje conta com a colaboração de centenas de pessoas: são 62 alunos de graduação, oito de mestrado, 24 doutorandos e pesquisadores externos, e sete docentes.
São quatro programas de pós-graduação vinculados – Ciências Ambientais, Geografia, Agronegócio e Engenharia Ambiental – e sete professores efetivos do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa): Laerte Guimarães, Manuel Ferreira, Noely Ribeiro, Elaine Silva, Fernando Moreira de Araújo e Rherison Tyrone Silva Almeida, além do professor Nilson Clementino, da EECA.
"Os números são dinâmicos, assim como o próprio laboratório, mas podemos afirmar que colecionamos uma extensa atuação na área do ensino, da pesquisa e da extensão", afirma a coordenadora do Lapig, Elaine Barbosa Silva, que conheceu o laboratório quando ainda fazia graduação da Universidade Estadual de Goiás (UEG), em 2004, período em que trabalhava na Secretaria de Meio Ambiente do município de Anápolis.
"Trabalhava com educação ambiental e ajudava no licenciamento, e sempre tive mais afinidade com essa área de tecnologia. E lá na Secretaria existia uma demanda por geógrafos que trabalhassem com geoprocessamento. Foi quando descobri o professor Laerte Guimarães". Em 2005, fez a especialização em Geoprocessamento, quando conheceu o professor Manuel Ferreira – docente também vinculado ao Lapig – e demonstrou interesse em se aproximar do laboratório, por meio do mestrado. "Depois disso, nunca mais saí do laboratório", brinca a professora da UFG, que desde 2018 é coordenadora do Lapig.
De acordo com Elaine, o Lapig já colaborou com pelo menos 345 orientações – 104 de iniciação científica, 92 de graduação, 80 de mestrado, 61 de doutorado e oito de pós-doutorado. "Isso é o que conseguimos levantar pela Plataforma Lattes", conta a professora. E somam-se mais de 1,3 mil publicações, entre periódicos, livros, capítulos de livros, revisões, textos em jornais e produções técnicas. "Tem que se levar em conta que tudo o que produzimos é público e de qualidade para atender a sociedade", finaliza Elaine.
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Fonte: Secom UFG
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