ENTREVISTA: Roger Chartier "Incertezas sobre o futuro do digital e do impresso"
Roger Chartier "Incertezas sobre o futuro do digital e do impresso"
Texto: Angélica Queiroz | Foto: Julia Mariano
Estaria o futuro dos impressos ameaçado pela inserção das novas tecnologias na vida cotidiana? Esse foi um dos pontos levantados por um dos mais importantes historiadores da atualidade, o professor francês Roger Chartier, durante entrevista concedida ao Programa Conexões, da TV UFG, e ao Jornal UFG. Confira aqui os destaques da conversa que também abordou temas como educação e história.
Como o senhor percebe a livraria, o livro e a biblioteca no contexto atual?
A aposta fundamental é preservar o conhecimento em suas várias formas: o mundo da cultura impressa e os múltiplos usos que o mundo digital permite. Em cada uma das instituições da cultura escrita – a escola, a biblioteca, a livraria – existe essa coexistência ou concorrência. A tecnologia pode ajudar ao permitir ler sem uma biblioteca ou encontrar um texto que anteriormente era de difícil acesso. O uso do computador pode claramente auxiliar na aprendizagem, mas é importante manter a presença da cultura impressa em todas as suas formas, para que não seja desenvolvida a ideia que um mundo pode totalmente ser substituído por outro: o passado impresso pelo futuro ou o presente digital. E, daí, é necessária a presença do livro na sua forma tradicional na escola. Por isso, precisamos manter e proteger a presença das livrarias e das bibliotecas.
O livro vai continuar existindo?
Os historiadores não são profetas, acho que ninguém sabe essa resposta. Há uma visão que seria racional de aceitar, que não há equivalência entre o digital e o impresso e que é preciso organizar uma coexistência dessas plataformas por meio de uma concorrência entre as várias formas de acesso ao livro, ao jornal e à informação. Mas o curioso é que há indícios contraditórios. Por um lado, evidentemente, há uma ilha dominante da equivalência que pode esvaziar as bibliotecas ao disponibilizar os livros nos computadores e há uma perspectiva na qual a cultura escrita tradicional impressa desaparece. Por outro lado, a porcentagem de vendas de livros eletrônicos é ainda muito reduzida, menos de 5% em quase todos os países do mundo. As únicas exceções são a Grã-Bretanha, com 12%, e um crescimento forte nos EUA, com quase 25%. No entanto, ainda há muita incerteza.
Como pode ser avaliada a ideia de evolução histórica, na qual as coisas naturalmente se substituem?
Ninguém pode controlar uma evolução porque é algo que não depende do ser humano, é a soma de cada ação pessoal em um novo padrão de comportamento. Por outro lado, o papel das políticas culturais é atuar para proteger as livrarias, desenvolver as bibliotecas e manter a cultura impressa nas escolas. Neste caso, existe uma tensão entre coisas que dependem de nós e coisas que não dependem de nós. Existe um conflito entre as práticas dos indivíduos, as decisões dos que têm poder e o funcionamento das instituições. Desta maneira, nós não podemos pensar que este tipo de fenômeno está totalmente controlado pela vontade dos cidadãos ou dos poderes. Ao mesmo tempo, não podemos pensar que essas decisões não têm um efeito: elas podem reforçar ou corrigir esta evolução coletiva, não controlada por ninguém e que se traduz nos comportamentos. A liberdade era uma das promessas da internet, com a comunicação gratuita, imediata e a possibilidade de um espaço público para realizar finalmente o que era um sonho das luzes no século XVIII: cada indivíduo na posição de leitor e escritor, cada um recebendo informação e escrevendo críticas, opiniões e ideias. Agora temos essa possibilidade técnica, mas precisamos examinar também o aspecto contrário deste sonho realizado.
Atualmente várias formas de representação do passado são acessíveis: ficção, cinema, literatura e, também, as produzidas pelos historiadores e pesquisadores. Como o senhor avalia essas representações e o papel da história?
Durante muito tempo, os historiadores pensavam ou desejavam ter o monopólio sobre a representação do passado. Efetivamente, há duas formas dominantes de concorrência com os historiadores: a ficção que pode retratar a história de uma forma muito mais poderosa do que as que podem descrever os historiadores e, também, todas as formas de memória. Entre essas três formas dominantes da presença do passado no presente, o importante é compreender que cada uma dessas formas obedece a sua própria lógica, seus próprios desejos e necessidades e que não é possível, outra vez, estabelecer uma equivalência. A memória não é a história nesse sentido. A história é uma disciplina de conhecimento sobre arquivos, tratamentos, técnicas e formas de escrita; e a memória corresponde a outras necessidades. Não quero dizer que não possam estar juntas, mas são duas lógicas diferentes. Já na ficção, os historiadores também não devem estar numa posição de crítica dizendo: “isso não é exatamente o que aconteceu”. O que se pode fazer é mostrar que a ficção não é equivalente ao saber controlado, que é o saber da história. Fazendo isso, a concorrência pode se transformar em uma coexistência pacífica.
Para ler o arquivo completo em PDF clique aqui
Para conferir a entrevista completa no Programa Conexões clique aqui
Nesta Edição
Categorias: entrevista digital impresso Futuro