Lobeira: de praga à matéria-prima
Lobeira: de praga à matéria-prima
Pesquisadores da UFG estudam potencial negligenciado da espécie
Texto: Luiz Felipe Fernandes | Fotos: Carlos Siqueira
Uma planta muito comum no Cerrado goiano, altamente resistente e que dá frutos o ano inteiro, têm se revelado uma matéria-prima em potencial para as indústrias alimentícia e farmacêutica. Pesquisas do Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Goiás (UFG) mostram que a Lobeira, considerada uma praga pelos agricultores, pode produzir açúcar e etanol, aumentar a eficácia de medicamentos e até atuar no controle da glicose no organismo.
O nome é uma referência ao loboguará, que se alimenta do fruto. Na tradição rural, a lobeira é usada para fazer chás e xaropes caseiros para auxiliar no tratamento de asma e resfriado, mas passou a ser negligenciada ao se tornar um problema na hora de transformar áreas nativas em pasto ou plantação, principalmente por ter raízes muito profundas e sobreviver ao período de seca e até a queimadas.
Ao observar que a lobeira, mesmo com uma polpa pouco saborosa, não tem componentes tóxicos, a professora do ICB, Kátia Fernandes, passou a estudá-la. A primeira aplicação prática foi um espessante para a produção de um tipo de requeijão light. A partir daí vieram outras descobertas com possibilidades de aplicação ainda mais animadoras.
AÇÚCARES – Inicialmente, a lobeira foi utilizada para a extração da pectina, um tipo de açúcar usado para fazer doces e geleias. “As fontes desse polissacarídeo são, normalmente, bagaço de maçã e de laranja. Na lobeira, encontramos uma grande quantidade de pectina, então ela poderia ser usada no Centro-Oeste como alternativa para a produção desse composto”, explica a professora Kátia Fernandes.
Também foi extraído amido com um potencial maior de produção de glicose, que pode ser usado como adoçante – uma alternativa regional ao açúcar da cana e do milho. Além disso, o amido da lobeira pode ser usado como revestimento de empanados de frango por possuir propriedades ditas filmogênicas, que permitem revestir o alimento e mantê-lo crocante mesmo depois do processo de congelamento e descongelamento.
MEDICAMENTOS – Testes in vitro indicam que a pectina extraída da lobeira possui elevada capacidade mucoadesiva, uma característica de grande interesse para a indústria farmacêutica, já que pode resultar em medicamentos mais eficazes para o tratamento de diferentes doenças. O professor da Faculdade de Farmácia, Ricardo Neves Marreto, explica que essa propriedade permite que um material se fixe nas diferentes mucosas do corpo.
“A adesão faz com o que um comprimido, por exemplo, permaneça mais tempo em determinado local, o que pode trazer benefícios para a terapia, como o aumento na absorção do fármaco”. Nas pesquisas também foram feitas modificações químicas na estrutura da pectina, ampliando ainda mais a capacidade mucoadesiva desse material, o que pode favorecer a exploração racional e sustentável desse recurso natural do Cerrado.
ETANOL – Da glicose extraída da lobeira também foi possível produzir etanol. “Usando um micro-organismo específico para fazer a fermentação, foi produzido 10% de etanol, que é um nível alto, já que a média de conversão é de 8% a 9%”, esclarece a professora. Além de uma fonte sustentável de combustível, esse etanol pode ser utilizado para fazer licor, cachaça e outros produtos da indústria de bebidas.
REDUÇÃO DA GLICOSE – Estudos com ratos diabéticos revelam que a lobeira também tem ação hipoglicemiante (redução dos níveis de glicose no sangue), confirmando o hábito de populações tradicionais que usam o fruto para auxiliar no tratamento da doença. Embora os mecanismos dessa ação ainda sejam desconhecidos, a professora do ICB, Elizabeth Perreira Mendes, esclarece que é provável que essa redução da glicose contribua para a melhora da função renal que foi observada nas cobaias com diabetes. “Estamos em busca das substâncias da lobeira que possuem ações farmacológicas responsáveis pelas suas ações”.
ISOPOR – Depois da extração da pectina e do amido, a fibra que sobra nesse processo de decomposição da lobeira tem potencial para a fabricação de isopor. Como é uma fibra vegetal, esse seria um produto biodegradável. As pesquisas estão sendo feitas pela professora Suzana Mali, da Universidade Estadual de Londrina (UEL), com a colaboração da UFG. Os primeiros resultados mostram que as bandejas de isopor feitas com o material são resistentes. Agora, os pesquisadores testam o quanto a inclusão dessa fibra pode reduzir o tempo de degradação do isopor. A expectativa é de que o impacto ambiental seja bem menor.
Método simplificado
Diante do potencial da lobeira no ramo de alimentos, a professora Kátia Fernandes ressalta que o objetivo das pesquisas é desenvolver mecanismos acessíveis de extração e de produção e elaborar um manual para comunidades rurais e cooperativas de produtores de doces, geleias e embutidos. “A ideia é que, com essa metodologia, qualquer agricultor consiga fazer os produtos a partir da lobeira, sem que seja necessária uma grande estrutura”.
No livro Plantas Medicinais no Domínio dos Cerrados, Valéria Rodrigues e Douglas Carvalho registram o modo tradicional de preparo de chás e tônicos produzidos com folhas de lobeira em água fervente para o tratamento de reumatismo, asma, gripes e resfriados. Segundo a professora Elizabeth Perreira Mendes, as pesquisas comprovam que a lobeira tem sido usada de forma correta pela população rural. “No entanto, a cultura antiga vem se perdendo e a lobeira vem sendo tratada como praga e exterminada por competir com as gramíneas na pastagem”, lamenta.
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