Educação, arte e comunicação indígena em debate
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 60 – JULHO – 2013
Educação, arte e comunicação indígena em debate
Índios Xavante e Krahô visitam a UFG para participar de seminário e discutir políticas públicas
Texto: Júlia Mariano| Fotos: Carlos Siqueira e Matheus Geoavane
“Educação não é saber escrever, ser letrado: é aprender a viver. Aprender para viver melhor, em comunidade.” Foi assim que o professor xavante Bartolomeu Patira Pronhopa definiu o papel da educação, em sua palestra durante o Seminário Pensamento Indígena: Educação, Arte e Comunicação
O evento foi organizado pelos professores Vandimar Marques, da Faculdade de Artes Visuais (FAV) e Rafael Coelho, da Faculdade de Comunicação e Biblioteconomia (Facomb) e pela aluna egressa da FAV, Mirna Marinho, todos com experiência em pesquisa acadêmica com indígenas. O seminário ocorreu entre os dias 8 e 12 de julho na FAV e acolheu, além da comunidade universitária da UFG, pesquisadores de outras instituições e 39 índios, entre homens e mulheres, idosos, jovens e crianças, 36 deles da etnia Xavante, do Mato Grosso (MT), e 3 da etnia Krahô, do Tocantins (TO). Rafael Coelho demostrou seu contentamento em ter conseguido viabilizar a vinda dos índios até a UFG. “Desde que comecei a pesquisar com eles, há cerca de 10 anos, houve o interesse deles em conhecer a universidade”, comemorou o professor que realizou seu trabalho de conclusão de curso de graduação, sua pesquisa de mestrado e atualmente sua pesquisa de doutorado com os índios Xavantes.
O seminário proporcionou discussões em torno da educação escolar, da escrita e da produção audiovisual indígena. Também foram apresentadas experiências etnográficas de pesquisadores em comunidades indígenas e de etnomídia, um novo campo de estudo que investiga o impacto do discurso midiático sobre grupos étnicos historicamente discriminados.
Gersem José dos Santos Luciano, índio da etnia Baniwa, professor da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e doutor em Antropologia, garantiu que não é mais pertinente o questionamento sobre se o índio quer escola. “Todos nós queremos escola: isso é vontade, necessidade e direito nosso. Não é assistencialismo”, garante. Segundo ele, os indígenas vivem hoje um momento histórico para a educação. “O nosso foco é pensar nas políticas públicas, já que a Constituição de 1988 abriu espaço para o protagonismo indígena e, consequentemente, para o nosso empodeiramento político”, explicou.
O professor ressaltou que atualmente nas escolas indígenas 97% dos professores são indígenas, “professores autênticos”, mas enfatizou que a luta ainda é grande para garantir que sejam aplicadas as leis, proporcionando acesso a escolas bem estruturadas em relação à estrutura física, material didático, transporte e merenda, além de bons salários para os educadores. Mas os alcances vão além da educação básica, já que, segundo os professores, existem quase 13 mil índios no ensino superior. Mirna Marinho, egressa da FAV é um exemplo: a índia foi a primeira a entrar na UFG por meio do Projeto UFG Inclui, um passo da universidade rumo à igualdade de acesso e à valorização da diversidade.
Outra luta apontada durante o seminário foi a preservação da cultura e da tradição indígena. Segundo os mais velhos, os jovens não estão preocupados em manter a tradição e a história de seu povo: “eles querem é mexer com o celular, acessar a internet”, garantiu Bartolomeu Pronhopa. O professor da Faculdade de Ciências Socias, Gabriel O. Alvarez apontou o vídeo como uma poderosa ferramenta documentar as tradições indígenas: “além da voz, o vídeo registra os gestos e as performances. Trata-se de uma ferramenta que apresenta, preserva e valoriza muito bem uma tradição, além de ser uma forma de poder”, defendeu ele, apesar de preocupar-se com a perenidade desses materiais diante da rapidez dos avanços tecnológicos.
Rose Costa, pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi apresentou a proposta do museu em documentar, arquivar e divulgar os mais diversos tipos de audiovisuais com temáticas indígenas. A professora da FAV, Alice Fátima Martins ressaltou a importância das comunidades indígenas contarem suas histórias a partir de seus pontos de vista, com olhares endógenos, como o que ocorre no Projeto Vídeo nas Aldeias, uma Ong que desde 1986 atua como um centro de produção de vídeos e uma escola de formação audiovisual para povos indígenas. Mas questionou a supervalorização desses registros em detrimento dos eventos em si.
Oficinas –No período em que estiveram na UFG, os índios também participaram de trocas de experiências em oficinas. Durante as manhãs, sentadas no gramado entre a Escola de Música e Artes Cênicas (Emac) e o Centro de Convivência (CC) do Câmpus Samambaia, um grupo de mulheres xavante compartilhou técnicas de cestaria com vários estudantes. As índias mostraram como fazer as cestas nas quais elas carregam bebês e alimentos. Ainda que silencioso, o ensino se deu por meio de gestos de separar e trançar as fibras de buriti. Gláucia Almeida Castro, estudante do terceiro período da licenciatura em Artes Visuais comentou que “embora a comunicação oral seja um pouco difícil, a gente aprende por meio da percepção visual”. O cacique e professor indígena Cassimiro Weté prometeu voltar no ano que vem, trazendo mais materiais para as oficinas de cestaria.
Enquanto isso, aliando os saberes tradicionais indígenas e as novas tecnologias de comunicação e informação, os jovens indígenas participaram de uma oficina de criação de vídeos de animação utilizando a técnica de stop motion – processo de animação que fotografa quadro a quadro bonecos feitos de massinha provocando, na edição, o efeito de movimento. No período da tarde os jovens também participaram de uma oficina de produção de cadernos artesanais, com o objetivo de produzir materiais onde eles possam registrar por escrito os conhecimentos de sua tradição que são transmitidos oralmente.
No último dia do evento, as trocas de experiências aconteceram no jardim de inverno da Biblioteca Central. Interagindo com instalações produzidas pelos alunos da disciplina de núcleo livre oficina dos fios, da FAV, índios, estudantes e professores da UFG teceram experiências entre plantas, palhas de buriti, barbantes e flores de crochê. Experiências que extrapolam os conteúdos dos livros.
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