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Universidade Federal de Goiás

Produção audiovisual em Goiás precisa de investimento

Em 08/10/13 14:52. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 62 – SETEMBRO – 2013

Produção audiovisual em Goiás precisa de investimento

Texto: Ascom e TV UFG | Foto: Carlos Siqueira

Mesa redonda 62

 

A mesa-redonda do Jornal UFG, produzida em parceria com a TV UFG e a Rádio Universitária, debate este mês sobre o campo audiovisual em Goiás, tema importante no contexto atual do Estado com a consolidação do curso de Audiovisual na UEG e o fortalecimento das produções feitas no Estado de Goiás, muitas premiadas nacionalmente. Além disso, tratar da produção audiovisual é importante em decorrência das alterações da legislação para a produção da TV paga, por meio da Lei 12.485/2011 que pode abrir novas perspectivas para o setor. Para falar sobre o assunto, trouxemos para o debate o presidente do Conselho Estadual de Cultura, Carlos Cipriano, o coordenador do curso de Audiovisual da UEG, Marcelo Costa, e o produtor audiovisual da Mandra Filmes, César Kiss.

 

Qual o cenário atual do audiovisual em Goiás? Existe uma repercussão forte da produção goiana em âmbito nacional? Podemos falar da existência de um cinema goiano?

Carlos Cipriano – Nós poderíamos falar da existência do cinema goiano desde que se começou a fazer filmes por aqui. Mas esse ano, em particular, tivemos a indicação de quatro curtas-metragens goianos para o Grande Prêmio do Cinema Brasileiro, promovido pela Academia Brasileira de Cinema, dois curtas de animação Destimação e O Ogro, da Mandra, o Número Zero, de Cláudia Nunes, na categoria documentário, e o Julie, Agosto, Setembro, de Jardel Barbosa, na categoria ficção. É um fato inédito e mostra o quão estamos engajados em fazer um produto de qualidade e com nível para concorrer com outros Estados brasileiros e no exterior, porque todos esses curtas concorreram também no exterior. E isso é percebido pela Associação Brasileira de Documentaristas e Curta-metragistas (ABD Nacional) não só de produção, mas de articulação, realização e conquistas em relação às outras linguagens artísticas de Goiás.

César Kiss – O cinema goiano tem crescido há algum tempo. Eu acompanhei esse crescimento do audiovisual. Nos últimos cinco anos, temos tido uma aceitação maior dos produtos goianos nos festivais de audiovisual. A Mandra foi para Berlim, Tóquio, Londres, diversos festivais no exterior. O cinema goiano está rodando muito e o pessoal que produz cinema está querendo produzir para televisão, de olho na Lei 12.485/2011, da TV paga. Nós fomos para o Rio Content Marketing, evento que ocorreu no Rio de Janeiro, para comercialização de material audiovisual. Vimos que temos qualidade e potencial, o que falta é o apoio do Estado de Goiás, como faz em diversas outras áreas.

Marcelo Costa – O curso de Audiovisual tem um papel importante no fomento do audiovisual. Somos o único curso que forma profissionais no Estado. Em sete anos de existência, percebemos que boa parte dos profissionais que atuam no mercado são egressos nossos. Temos colaborado bastante no desenvolvimento do segmento audiovisual em Goiás. Na última mostra ABD durante o Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (Fica), a comunidade ligada ao curso teve seis dos treze prêmios, entre eles melhor filme e melhor direção. Percebemos que o investimento em formação é muito importante. Ele não garante, mas ajuda a dar uma força para o desenvolvimento e a propulsão da área cultural, que está num momento muito especial. Não só em relação às oportunidades do Estado, mas também em relação à nova lei da TV paga, que demanda profissionais qualificados e abre novas possibilidades de produção.

 

Vemos a consolidação de um cinema fora do eixo Rio-São Paulo, em Pernambuco, muito incentivado por políticas do Estado. O cinema pernambucano já tem grandes nomes na esfera nacional. O que falta para que Goiás atinja esse patamar em produções reconhecidas nacionalmente?

Carlos Cipriano – É um pouco complicado comparar Goiás com o Estado de Pernambuco, porque este tem muito mais tradição em produção de cinema, assim como em outras áreas da arte. Houve ciclos nos anos 1920 de produção cinematográfica pujante nesse Estado. Como ele chegou nessas políticas de Estado? Não foi do dia para a noite, nem por generosidade de um governante, foi uma conquista. Se existe mais pessoas fazendo cinema há mais tempo naquele Estado, existe uma tradição. A briga por uma política que dê sustentação para essa produção é mais forte. Há mais cineastas com mais idade, mais peso e, na relação com o governo, eles conseguiram se impor. O Fundo de Cultura de Pernambuco disponibiliza R$ 33 milhões por ano para o setor cultural e 1/3 vai para o audiovisual. Isso é uma conquista do setor, de sua articulação, o reconhecimento de uma trajetória. Em Goiás, o governador liberou agora R$ 13,5 milhões para este primeiro ano do Fundo de Cultura. E desse dinheiro a perspectiva é que o audiovisual não fique com mais de dois milhões de reais.

 

O dinheiro é direcionado a cada área?

Carlos Cipriano – Sim, diferente da Lei Goyazes, que funciona por demanda espontânea dos projetos, que faz uma chamada só para todas as áreas, o fundo vai funcionar como um estimulador de demandas específicas. Diferente de uma lei de incentivo, vem para descentralizar os recursos, fazendo uma distribuição territorial e setorial, de modo que haja algum equilíbrio entre as áreas de produção da cultura. Nós não temos ainda uma política de Estado consistente para o setor de audiovisual. Porque ainda é pouco o dinheiro liberado para o fundo. R$ 13,5 milhões parece muito, mas se você for considerar todo o contingente, todas as áreas e todos os municípios é nada. O dinheiro é dividido várias vezes.

César Kiss – Estamos na contramão dos outros Estados. Em Pernambuco, um terço da verba vai para o audiovisual, porque ele mexe com todos os setores. Envolve o pessoal do teatro, atuando nos filmes ou séries, da literatura, escrevendo os roteiros, os músicos compondo. Você mexe com todos os setores, mas em Goiás tem menos verba. Diferente de outros Estados que estão demandando uma verba maior para o audiovisual, justamente pelo desenvolvimento do mercado, do desenvolvimento que ele pode trazer para o Estado, mas também por aglutinar todas as áreas em uma só. Não é um problema do conselho, nós sabemos da atuação dele e sabemos o que ele tem feito pela cultura em Goiás. O que falta é o apoio do Estado ao conselho, escutá-lo, ele está lá para aconselhar.

Carlos Cipriano – Conselho nenhum é ouvido. Gestor público não gosta de conselho. Significa dividir o poder de decidir sobre as coisas. O conselho só é ouvido quando ele se faz ouvir. Tem que chegar lá e dizer. Costumo dizer que o governo tem muita cera no ouvido, então é preciso pegar um megafone para dizer.

Marcelo Costa – Quem está envolvido no meio cultural percebe, na gestão do Carlos Cipriano no conselho, até por ele ser indicado pela sociedade civil e não pelo governo, a militância própria dele construída junto a ABD e ao conselho. Não há um entendimento dos gestores em relação ao segmento do audiovisual, como uma área dentro do âmbito da cultura que é capaz de promover um desenvolvimento mais amplo, ligado ao desenvolvimento econômico. Também existe ainda um ranço muito grande nas relações entre cultura e mercado. Por mais que um produto cultural seja autoral e artístico, dificilmente ele se desenvolve fora do entendimento mercadológico. As próprias ferramentas de fomento público passam por esse olhar. Quando um artista tem seu projeto aprovado por uma lei, ele tem que fazer uma captação que é do segmento privado. Mesmo que ele tenha mérito, capacidade artística, ele precisa ser patrocinado por uma empresa com interesse mercadológico. Então, pensar a cultura e o audiovisual com um olhar para além da questão autoral e artística, pensando em como o mercado se desenvolve e está organizado, é fundamental para que possamos ter artistas e realizadores audiovisuais sendo remunerados dignamente. Por conta dessas particularidades, uma política de Estado voltada ao audiovisual, como ocorre em Pernambuco, pode auxiliar no desenvolvimento não só do audiovisual, mas do setor cultural como um todo.

Carlos Cipriano – Mas aí tem que haver uma compreensão do Estado de que o audiovisual é uma prioridade. Uma prioridade até econômica.

 

Como vocês avaliam as políticas de financiamento de Goiás para o audiovisual? Como mudar as políticas públicas para ampliar a participação do setor?

César Kiss – Não temos no Estado de Goiás mecanismos de fomento específicos para o audiovisual, enquanto diversos Estados brasileiros e o governo federal têm linhas exclusivas de financiamento, buscando o desenvolvimento deste mercado. A Mandra participou duas vezes do Plano Interno de Trabalho (PIT) da TV Cultura, para produção de séries infantis para televisão e por duas vezes nos perguntaram se havia algum fundo em Goiás que apoiasse a produção para televisão. Falamos que não e já saímos perdendo por não haver esse apoio. Segundo a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), o mercado mundial de audiovisual movimenta U$ 450 bilhões de dólares por ano e o Brasil não tinha nem 1% desse mercado. Com a Lei 12.485/2011 agora alcançamos esse 1%. Olha o tamanho do potencial dessa lei e do potencial do produtor audiovisual brasileiro. Nós temos uma série de animações sendo feitas e exportadas; produções documentais sendo produzidas. Estamos tendo um crescimento muito grande nacionalmente, mas não local. Este ano foi a primeira vez que tivemos apoio para ir a um evento, o Rio Content Marketing, do Sebrae, para podermos conhecer o que é esse mercado em expansão do audiovisual. Este ano fomos em uma comitiva de nove pessoas. Voltamos deslumbrados ao ver a grandiosidade do que está acontecendo fora do Estado.

Marcelo Costa – O governo do Estado vê que política de desenvolvimento audiovisual é realizar um grande festival internacional onde se tem cinco milhões de reais sendo investidos anualmente. Essa tem sido a política de Estado nos últimos quatro mandatos. Como o próprio secretário de Cultura afirma, o Fica não é um festival exclusivo de cinema. Então, há essa miopia da gestão em relação ao que seriam políticas de fato favoráveis ao desenvolvimento do audiovisual. Eu tenho certeza que, se esse fomento fosse feito de fato, nós teríamos um cenário muito melhor, porque o que de mais importante se necessita no segmento do audiovisual é de mercado criativo e disso nós não padecemos. Mas infelizmente, sem ação efetiva do poder público para fomentar e estimular esse mercado, levaremos muito tempo para chegar aonde outros Estados conseguem mais rapidamente.

Carlos Cipriano - No Rio Content Marketing, perguntei à diretora do audiovisual da Secretaria de Cultura em Pernambuco como chegaram nesse estágio. Ela disse que foi a bronca dos cineastas que não aguentavam mais ter seus projetos avaliados por pessoas de outras áreas que ficavam escandalizadas com o valor total do orçamento. Ora, o audiovisual tem esse diferencial, é caro produzir. Envolve equipamento de ponta, que é alugado, uma equipe grande. Apesar de Goiás ter um presidente do conselho que é da área, não conseguimos dialogar nem dentro do conselho. As comissões de avaliação dos projetos estranham um longa-metragem solicitar 1 milhão de reais. Talvez estranhem porque o dinheiro é muito curto. Como vamos dar um milhão para um longa, se temos só cinco milhões para toda a área? Eu identifico isso como um problema. R$ 160 mil foram concedidos para quatro longas-metragens, a título de apoio. Os longas-metragens pedem R$ 500, 600 mil, mas a Lei Goyazes aprova um longa-metragem com 160 mil reais de financiamento.

Carlos Cipriano – Até pouco tempo eram R$ 30 mil, agora mudaram para o teto da lei municipal. Esse valor serve de apoio para produzir um curta. O pessoal de Pernambuco conseguiu os recursos, mas não só isso, conseguiu que o assunto começasse a ser considerado como estado prioritário e que tivesse ali uma comissão e regras próprias que entendam de fato da natureza do cinema. Enquanto não conseguirmos fazer com que um governante perceba essa especificidade e a necessidade de maior investimento e que depois isso trará retorno para o Estado, vamos continuar apoiando longas-metragens com R$ 160 mil. O que é nada dentro de um orçamento geral de um filme. O edital de longa de baixo orçamento do Ministério da Cultura é de R$ 1,2 milhão.

 

Com isso perdemos um grande nicho aberto com a nova legislação?

Carlos Cipriano – Sabe o que vai acontecer e já está acontecendo? Enquanto outros mercados estão fazendo investimentos, estão também atraindo o que há de melhor em termos de mão de obra capacitada e talentos. Para quê continuar em Goiás, se eu posso ir para outro lugar me desenvolver enquanto ser humano, cidadão, de uma forma muito mais digna? Por que ficar aqui brigando por uma coisa que na minha cabeça teria que estar pronta? As coisas mudam muito lentamente, quando mudam.

César Kiss – Há dez anos criamos a Mandra e, desde então, vemos que Goiás não está acompanhando o desenvolvimento de outros Estados. A UEG está formando produtores audiovisuais e exportando. Há muitas pessoas trabalhando em São Paulo, Rio de Janeiro. Eles não poderiam estar em Goiás, trabalhando em produtos que a gente sabe que tem condições de desenvolver?

Marcelo Costa - O Estado de Goiás tem um imenso potencial e tem exportado profissionais, porque aqui eles não encontram oportunidades necessárias para desenvolver o seu trabalho e viver dignamente. Mesmo em um cenário nacional favorável, com a lei da TV paga, na conjuntura interna, nós não vivenciamos isso, as políticas não favorecem.

 

Como vocês avaliam a formação na área do audiovisual hoje?

Marcelo Costa – O curso de Audiovisual da UEG, ao longo dos sete anos de existência, tem procurado se estruturar da melhor forma possível. Foi feito um estudo que resultou em muitas mudanças dentro da nova matriz curricular. Estamos saindo da Comunicação Social, que é uma área transversal, e se realocando no campo das artes. O curso deixa de se chamar Comunicação Social com habilitação em Audiovisual e passa a se chamar Cinema e Audiovisual. A mudança é importante para reposicionar o curso. Embora nós tenhamos muito a conquistar, sobretudo no que diz respeito a estrutura tecnológica, o curso desenvolveu uma atuação militante em relação à formação de profissionais do audiovisual no Estado. É claro que os cursos rápidos, não formais, oferecidos em festivais e oficinas, exercem um papel fundamental, trazendo profissionais de outras realidades, com outros pontos de vista, experiências. Sobretudo profissionais que não passaram pela universidade, que têm uma experiência empírica. O curso está propondo, dentro do edital do Ministério da Cultura, implantar no próximo ano uma incubadora de economia criativa, com ênfase no audiovisual, justamente para gerar formação na área, com foco em empreendedorismo e gestão de negócios. A universidade funcionaria não só como polo de formação, mas um centro que catalisa, que busca gerar condições favoráveis, dentro de suas limitações institucionais, para que o setor possa se desenvolver.

Carlos Cipriano – Dentro da cadeia produtiva local, a formação é um fator condicionante. Não temos formação de qualidade e ela extrapola o papel da UEG, que não consegue cobrir esse déficit no Estado, que é a formação técnica. Lá não é o lugar para essa formação, é para formar pesquisadores, profissionais que vão atuar em outra dinâmica. Tanto que os alunos da UEG que conseguem adquirir esse conhecimento técnico, conseguem em oficinas e, principalmente, com vivências no set. E daí a importância de se ter um financiamento vigoroso da produção, até para fazer a formação complementar, porque nenhuma universidade consegue fazer essa formação técnica, porque o perfil não é esse. O Senac cobre um pouco, a Escola Goiana de Desenho Animado faz isso muito bem, com apoio de projetos aprovados em leis de incentivo, e tem dado ótimos resultados. Fica muito nítido o quão ainda estamos deficitários na formação técnica. O Instituto Federal de Goiás da Cidade de Goiás pretende aproveitar a vivência que o Fica trouxe para o município, para abrir um curso técnico e depois um curso de Cinema. Vejo que outras instituições poderiam nos ajudar. Para fazer essa formação técnica, precisamos de investimento para trazer profissionais com experiência em diversas áreas e, para isso, precisamos pagar bem para que eles fiquem aqui por um tempo, dividindo o conhecimento que eles têm conosco.

César Kiss – Tem série de produção sendo produzida no Rio de Janeiro com 52 episódios, com equipe de 110 pessoas e está faltando gente. Toda semana recebo e-mails de produtoras procurando animadores. Como estamos saindo atrás nessa corrida da Lei 12.485/2011, daqui a pouco as portas hoje abertas, que nós temos possibilidade de entrar, vão se fechar. O meio da televisão é muito fechado, minha família trabalha há mais de 40 anos nesse mercado. E estamos saindo atrás. Se não houver mudança, nós vamos continuar exportando mão de obra.

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