Artigo: Memória e Verdade
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 62 – SETEMBRO – 2013
Memória e Verdade
Texto: Carlos Santander e Ricardo Barbosa de Lima* | Foto: Matheus Geovane
O século XXI inaugura na América Latina um clima político significativo para refletir sobre acontecimentos no contexto dos regimes autoritários. Mas refletir sobre o passado implica refletir sobre o presente, assim sobre qual futuro se deseja à nossa sociedade. No passado, as ações ditatoriais procuraram consolidar a formação de uma cultura de terror, que passou a organizar e disciplinar a vida social. Os regimes autoritários produziram, pela extrema violência de suas ações, eventos traumáticos e contínuas rupturas microssociais. Mas a pergunta central é: a memória deve se converter em um lembrar para esquecer ou será que é preciso esquecer para não lembrar? Simplesmente, deve-se lembrar para que nunca mais aconteça.
É necessário reafirmar que jamais existiram ditaduras benevolentes, pois, em todo processo repressivo, as alterações da vida cultural, política e social são produto de múltiplas rupturas com diversos graus de intensidade de violência política. Assim, por motivos políticos, pode-se contar, em toda a América Latina, milhares de mortos, um número considerável de desaparecidos, milhares de torturados e um incomensurável número de vítimas indiretas da repressão.
Como expõe o livro Direito à Memória e à Verdade, publicado pela então Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, as feridas abertas durante o regime militar no Brasil são desconhecidas pela maioria da população, especialmente pelos jovens. No Brasil, a radiografia dos atingidos pela repressão política ainda está longe de ser concluída, mas se sabe que pelo menos 50 mil pessoas foram presas somente nos primeiros meses da ditadura; cerca de 20 mil brasileiros foram submetidos à tortura, e mais de quatrocentos cidadãos foram mortos ou estão desaparecidos. Isso sem falar nas milhares de prisões políticas não registradas, nas quatro condenações à pena de morte, nos 130 banidos, nos 4.862 cassados, nas levas de exilados e nas centenas de camponeses assassinados.
Nessa perspectiva, o que significa a memória e a verdade? Significa revisitar a história desse período, conectando os fatos passados com os atuais e relacionando-os com outras violações dos direitos civis, entre eles o direito à informação. Com o intuito de promover uma cultura em direitos humanos, o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH) de 2008 foi concebido tendo em vista que, no país, “como na maioria dos países latino-americanos, a temática dos direitos humanos adquiriu elevada significação histórica, como resposta à extensão das formas de violência social e política vivenciadas nas décadas de 1960 e 1970” (PNEDH, p. 22). E, em virtude disso, “a educação em direitos humanos, ao longo de todo o processo de redemocratização e de fortalecimento do regime democrático, tem buscado contribuir para dar sustentação às ações de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos, e de reparação das violações” (PNEDH, p. 26).
Assim, o tema da memória se coloca como um desafio de como se insere na sociedade, passando pela necessária reflexão em termos que a memória é seletiva, recordando e olvidando de acordo com os complexos processos mentais. Chega-se, então, à conceituação da memória como um direito. Esta memória não deve limitar-se a cumprir um compromisso restringido com as vítimas da repressão política, senão deve servir também para construir um futuro que, a partir do recordar, logre sanar e superar a herança perversa do autoritarismo.
* Professores da Faculdade de Ciências Sociais
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