Artigo: Cenas de política explícita na revisão do Plano Diretor de Goiânia
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 60 – JULHO – 2013
Cenas de política explícita na revisão do Plano Diretor de Goiânia
Texto: Pedro Célio Alves Borges | Foto: Carlos Siqueira
Pedro Célio Alves Borges*
Manter o debate sobre o Plano Diretor de Goiânia (PD) não é chorar o leite derramado, mesmo após a revisão já ter sido aprovada em abril (Lei nº246/2013). Denúncias, alertas e abaixo-assinados continuam a fazer sentido, já que o processo é político e, nele, os atores prosseguem lutando por seus interesses e projetos. Outra dimensão da política indica que a ação coletiva forma consciências e aprendizados em escalas contínuas, aprofundadas. Na lógica da democracia, cabe pensar que os vitoriosos do momento poderão outra vez ser impelidos à luz do dia, à planície onde vicejam demandas populares e negociações públicas, novos auditórios e eventos, além das eleições no próximo ano.
Longe de esgotados, os temas do PD permanecem nas agendas da política urbana, pois as ameaças contra a cidade cresceram sobremaneira com as modificações. Um rápido balanço sobre o mérito e a condução política imposta ao processo auxilia a visualizar a conjuntura criada e sinaliza o que vem adiante. Posturas e estilos de ação dos que se envolveram na perlenga – prefeitos, vereadores e empresários, de um lado, e, do outro, entidades de profissionais, de moradores, ambientalistas, pesquisadores e outros segmentos – contam agora com melhores referências políticas e as informações estão um pouco mais disponíveis.
Quanto ao mérito, a Prefeitura introduziu perigos iminentes para o ambiente e a qualidade de vida dos goianienses, relacionados ao trânsito, às áreas verdes, ao abastecimento de água e ao clima. Os novos textos dos Artigos 110 e 116 admitem a implantação de equipamentos especiais, de caráter regional, em vazios urbanos não integrantes dos eixos de desenvolvimento definidos no PD-2007. Entidades e movimentos sociais várias vezes se posicionaram contra estes tópicos, antes da votação pela Câmara Municipal e, agora, buscam na justiça a sua revogação.
Os empresários, no entanto, saudaram efusivamente tais ameaças, a exemplo do artigo do presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Goiás-Ademi (O Popular - 13/12/2012) e dos boletins e entrevistas de membros do Sinduscon. Não sem razão: no Artigo 116-A o grau de incomodidade e o porte foram alterados para o máximo nas áreas de influência das vias expressas (a Perimetral Norte, GO 462 e Anel Viário). Na prática, galpões e indústrias de todos os portes estão agora liberados. A gravidade dos efeitos possíveis fica constatada ao lembrarmos que no eixo da Perimetral Norte localizam-se o cinturão verde da cidade, áreas de manancial e recargas do lençol freático do Rio Meia Ponte e dos ribeirões João Leite, Capivara e Samambaia, que garantem o abastecimento de água tratada para a capital e região metropolitana.
A nova redação do Artigo 116-B piora essas tendências nocivas. A partir de agora, as vias da Região Norte ficam abertas a todas as tipologias e portes de uso. Quem circula nos bairros e setores ao norte de Goiânia (áreas adensáveis e de desaceleração de densidade) sabe que ali as vias locais são estreitas e não comportam fluxos intensos de caminhões e equipamentos de grande porte. A Carta de Risco de 90 e os anteriores PDs de Goiânia reconheceram a importância da preservação ambiental na Região Norte, dado o seu potencial hídrico e a sua magnífica cobertura vegetal com resquícios de matas nativas. São condições que a tornam responsável pela regulação térmica e pelos ventos frescos que amenizam o calor na cidade, além de exercer influência decisiva nos ciclos das chuvas.
Equivocam-se os que creditam ao prefeito Paulo Garcia as pechas de incompetência ou mera insensibilidade ambiental (ou ambas) por ele ter gerado e defendido ferrenhamente tais mudanças no PD, mesmo que as pesquisas de opinião já indiquem essa imagem. “Compromisso político” explica muito mais as suas posturas, como bem o demonstra o balanço sobre a condução do processo. Vejamos em três linhas desse balanço: primeira, a participação popular prevista em lei para alterar planos diretores foi metodicamente esvaziada, tornada simulacro. A Prefeitura não organizou audiências públicas e a Câmara convocou somente quatro representantes. Entretanto, nelas, os vereadores sustentaram um silencioso acatamento prévio das propostas do prefeito, negando-se a debatê-las em todos os momentos – as exceções de Djalma Araújo, Elias Vaz e dra. Cristina. O extremo ocorreu quando nenhum membro da mesa diretora da Câmara compareceu à audiência pública na UFG, por ela mesma convocada, num dos maiores desconfortos institucionais vivido pela universidade em época democrática.
Segundo, a revisão do PD ocorreu em meio a diversas denúncias de que as modificações vieram para legalizar construções irregulares e licenciamentos fraudados para implantação de grandes empreendimentos na cidade. Solícitos desde o início com as transgressões, sem interrompê-las, mesmo após decisões judiciais, os agentes públicos tergiversavam nas respostas, sem nunca desmenti-las. Apenas ao final de maio, após a revisão aprovada, o prefeito aborda os temas do PD (Jornal Opção 26/05 a 01/06/2013), esquivando-se outra vez das denúncias, sem jamais negá-las no conteúdo.
E, terceiro, novamente o silêncio frente à divulgação de que uma grande empresa beneficiada pela complacência do executivo municipal doará expressivos recursos financeiros para o partido do prefeito, então candidato à reeleição. Ficamos até o momento sem ouvir, assistir ou ler respostas em contrário. Um silêncio estridente, incapaz de desmentir e conclamar outra verdade que não a da fidelidade e reciprocidade aos compromissos enfim desnudados no episódio do plano diretor.
* Professor da Faculdade de Ciências Sociais
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