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Universidade Federal de Goiás

Entrevista: Em busca de uma explicação para o mundo moderno

Em 08/10/13 14:52. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 62 – SETEMBRO – 2013

Entrevista: Em busca de uma explicação para o mundo moderno

Texto: Michele Martins | Foto: Carlos Siqueira

 

Aos 80 anos, Paul Claval, pesquisador francês, é uma referência obrigatória entre os geógrafos. Ele é considerado o criador e renovador de alguns ramos da Geografia, entre eles, os campos da Geografia Cultural, Regional, Econômica e da Epistemologia da Geografia. Para os profissionais da área, as convicções pessoais e profissionais do pesquisador o levaram a inaugurar um novo gênero da literatura geográfica e do itinerário intelectual, como autobiografia científica. Paul Claval viajou por todos os continentes e sua experiência de viajante lhe permitiu construir um repertório singular sobre o mundo. Por várias vezes, ele incluiu o Brasil em suas viagens, devido à sua curiosidade sobre o nosso desenvolvimento econômico e a nossa diversidade cultural. Confira.

Paul Claval

O senhor já esteve por várias vezes no Brasil. O que despertou o seu interesse em nosso país?

O interesse pelo Brasil é antigo. A curiosidade se deu desde que fui estudante na Universidade de Toulouse, onde convivi com estudantes brasileiros, que despertaram minha curiosidade sobre o desenvolvimento do país. Desde o ano de 1982, tive várias oportunidades de visitar o Brasil e, para mim, é interessante ver um país que foi colonizado por Portugal e hoje possui cerca de 200 milhões de habitantes. Eu procuro entender o sucesso desse desenvolvimento colonial, pós-colonial e até os dias de hoje. Existe uma cultura original derivada das culturas indígena, europeia e africana e esse dinamismo cultural é impressionante. Portanto, o que me atrai é a problemática cultural e o Brasil é muito interessante nessa perspectiva.

Houve alguma experiência que o senhor destacaria?

Tive a oportunidade de visitar o Brasil 22 vezes. O mais curioso foi quando naveguei pelo Rio Madeira acompanhado de outro pesquisador da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Foi uma experiência incrível, porque realizamos um estudo sobre o papel da vida religiosa, das festas e a sociabilidade das populações ribeirinhas da Amazônia. Fizemos essa viagem no mês de junho para acompanhar as festas juninas de Santo Antônio e de São João e a do Boi Bumbá, em Parintins, para encerrar a viagem. O mais interessante fui ver o papel dessas festas na geração de uma identidade, como elas influem na vida das populações ribeirinhas, e as transformações dessas festas, especialmente em Parintins, nas quais os apelos comerciais deu um sentido diferente do modelo original. Observamos a movimentação de muitos turistas e a alta criminalidade, uma reflexão positiva e negativa ao mesmo tempo.

Como as festas populares ligadas à religião contribuem para reforçar as identidades locais?

As festas podem ter explicações variadas. Em uma religião universal, a festa tem a função de desenvolver o sentimento de pertencimento à cristianidade/cristandade, é um sentido universal. Mas, hoje, a festa vem reforçar o sentido da identidade local e das identidades comunitárias. É interessante, mas um pouco perigoso por desenvolver esse tipo de comunitarismo. Isso me deixa inquieto por não achar que é boa coisa. Creio que seja uma questão de geração. É importante afirmar que o pertencimento à uma comunidade é importante, mas não pode se tornar comunidade de seitas. Julgo importante desenvolver uma abertura das culturas em detrimento das formas fechadas de culturas. As festas possuem duas dimensões importantes. A primeira é a dimensão de comercialização. O papel econômico das festas se torna mais importante do que há 30 anos e, dessa maneira, a festa propriamente dita passou a ser menos importante. A outra dimensão é a identitária, que me parece mais uma ameaça à vida das sociedades modernas. Posso citar, por exemplo, a experiência da Europa Ocidental onde o comunitarismo hoje é um problema maior. Acho que no Brasil existiram problemas menores, mas o desenvolvimento de novas religiões evangelistas representa uma transformação sem precedentes e é difícil entender os conflitos do Brasil quanto a essa nova diversidade religiosa. O Brasil foi um país com uma religião dominante, hoje possui uma grande diversidade de religiões, então me parece que é possível manter tolerância. Já a experiência da Europa Ocidental é uma experiência difícil e sou um pouco pessimista quanto a isso, mas no Brasil a situação é diferente.

Como os outros campos científicos como Antropologia, Sociologia e Comunicação contribuem para o desenvolvimento da Epistemologia da Geografia?

A minha concepção das ciências sociais é uma concepção unitária. O homem é o objeto comum das ciências sociais e acho que é importante a colaboração das diversas disciplinas sociais, uma vez que cada uma desenvolve uma perspectiva diferente nas novas fronteiras de pensamento. Pessoalmente, o que fiz em toda minha carreira foi trabalhar todas as interações entre Economia e Geografia, entre os anos de 1960 e 1970, e depois trabalhar sobre as relações sobre Geografia, Sociologia e Antropologia e um interesse permanente por História. Hoje trabalho muito com os problemas de comunicação e nunca considerei que essa divisão entre as disciplinas fosse fundamental. Temos de observar o que se desenvolve na Sociologia, Antropologia e História. Um dos meus interesses sempre foi traduzir para a Geografia os assuntos e os resultados das investigações das Ciências Sociais. Para mim, a Geografia desenvolve uma perspectiva sobre os processos espaciais, mas esses processos também têm dimensões sociais, econômicas e antropológicos. É impossível estabelecer uma diferença e criar uma fronteira entre os estudos dessas disciplinas. É importante desenvolver uma ciência da sociedade e do homem em um contexto social.

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