Maturidade em sala de aula
Maturidade em sala de aula
Estudantes da UFG com mais de 60 anos superam dificuldades e provam que não há limites para a busca do conhecimento
Texto: Luiz Felipe Fernandes | Fotos: Carlos Siqueira
Entre os milhares de adolescentes e jovens que ingressam a cada início de ano na Universidade Federal de Goiás (UFG), estão estudantes que provam que a idade não é obstáculo para cursar o ensino superior. O longo período longe dos bancos escolares e a necessidade de conciliar os estudos com as responsabilidades de uma vida adulta podem fazer da graduação um desafio ainda maior para esses alunos.
A UFG possui hoje 38 estudantes de graduação com mais de 60 anos em todas as suas regionais – 24 em Goiânia, oito em Catalão, três em Jataí e três na Cidade de Goiás –, em cursos das mais variadas áreas do conhecimento. No Sistema de Seleção Unificada (SiSU) de 2016, 49 pessoas com mais de 45 anos foram aprovadas em cursos de graduação da UFG. A partir de agora vão conviver com os mais de 4 mil jovens de 18 a 20 anos que representam a maioria dos novos alunos.
O Jornal UFG conversou com alguns desses acadêmicos que, com a experiência de vida, contribuem para que a Universidade se estabeleça como espaço diverso e democrático. Em meio a diferentes trajetórias, a rotina de estudos diários, apesar de mais difícil, guarda motivos nobres: o sonho de se formar em uma faculdade, de explorar novas áreas ou de simplesmente continuar aprendendo.
O sonho de uma federal
Dividida entre as tarefas domésticas e os livros, Raimunda Rocha conseguiu ser aprovada para o curso de Ciências Sociais da UFG
Era só terminar a faxina da casa que Raimunda corria para ler um texto. Louça da pia lavada e lá estava ela estudando páginas e mais páginas de material didático. Foi assim, entre um afazer e outro, que em 2009, Raimunda Alves da Rocha conseguiu aprovação no vestibular para Ciências Sociais na UFG. Aos 72 anos, está no sétimo período do curso.
Na época, como achava que “ia jogar dinheiro fora”, falou para a filha fazer a inscrição no curso menos concorrido. “Meu objetivo era testar minha capacidade de passar no vestibular de uma faculdade federal, porque eu me achava muito incapaz”. Qual não foi a surpresa ao descobrir, após ser aprovada, que o curso de Ciências Sociais não havia sido o de menor concorrência.
Raimunda terminou o ensino fundamental em 1967. Mãe de três filhos, o retorno à escola só se daria 22 anos depois, mesmo assim para fazer apenas o primeiro ano do ensino médio, interrompido com a chegada das netas. Em 2004, fez supletivo para concluir o segundo e o terceiro ano. Chegou a prestar vestibular para Letras em 2005, tendo sido aprovada apenas na primeira fase.
Mesmo com o apoio da família, Raimunda sentiu o peso dos primeiros períodos da graduação. Para se dedicar aos estudos, precisou abrir mão do trabalho como massoterapeuta, para o qual voltou algum tempo depois, apesar da carga horária reduzida. Sobre a relação com os colegas e os professores, não tem do que reclamar.
Questionada sobre a dificuldade do curso, Raimunda não hesita: “põe dificuldade nisso! Principalmente Ciência Política”. Ainda assim, considera que Ciências Sociais é um curso “que faz pensar”. Prestes a realizar o grande sonho de se formar em uma faculdade, Raimunda não tem dúvidas de que o esforço valeu a pena. “Hoje eu vejo o mundo de outra forma”.
Da matemática às artes
O que Filosofia, Arte e Matemática podem ter em comum? A resposta será dada em breve, no Trabalho de Conclusão de Curso de Maria Nélia Gomes, aluna de Artes Visuais, habilitação em Artes Plásticas. Este é o último ano de curso, mas não será a primeira vez que a estudante de 66 anos irá concluir uma graduação pela UFG.
Maria Nélia terminou o ensino médio em 1971. Os 20 anos seguintes foram dedicados ao lar, como mãe e esposa. Sempre atenta à educação dos filhos, quando o mais velho foi prestar vestibular, achou que também pudesse estar preparada. A confirmação veio com a aprovação no vestibular para o curso de Matemática, no qual se graduou.
Já a arte a fascinava desde a infância e, depois de adulta, dedicou-se por conta própria a aulas de pintura, dominando várias técnicas. Maria Nélia então decidiu fazer uma pós-graduação em Filosofia da Arte. “Foi aí que entendi que Matemática, Filosofia e Arte poderiam formar uma triangulação, pois elas se completam e têm muito em comum”. Em 2011, foi aprovada para o curso de Artes Visuais da UFG como portadora de diploma.
Maria Nélia diz que só o apoio da família não basta. “É preciso ter muita garra, força de vontade e perseverança para fazer o que gosta, pois tive que dividir meu tempo entre a faculdade, a família e o trabalho, e, recentemente, com as netinhas”. Ela confessa ter tido medo quanto à aceitação dos colegas, mas garante que foi recebida com muito carinho. “Sinto-me tão à vontade que parece que tenho a mesma idade dos colegas, e o mesmo se refere aos professores, alguns deles com a idade dos meus filhos. Sinto-me em casa!”.
Maria Nélia não tem pretensões de ser uma artista plástica reconhecida, mas diz que a ideia de fazer o curso foi uma maneira de procurar conhecer o mundo das artes de maneira aprofundada. “O curso corresponde a todas as minhas expectativas, tanto na teoria como na prática. É tudo o que eu procurava em termos de realização”.
O colecionador de diplomas
Com quatro graduações, José Hidasi está na reta final do curso de Odontologia
Nutrição, Medicina, Direito e Biologia. Estes são apenas os diplomas de graduação que José Hidasi Filho coleciona. Soma-se a isso três especializações, um mestrado e, atualmente, aos 62 anos de idade, mais um curso superior: Odontologia na UFG.
Os motivos que o levaram a cursar tantas faculdades são os mais diferentes – e inusitados – possíveis. Ainda adolescente, escolheu Nutrição por causa das moças bonitas que frequentavam o curso. Medicina veio com a vocação. Direito, pela proximidade com o ex-sogro, que era procurador de Justiça. E Biologia pela influência natural do pai, José Hidasi, fundador do Museu de Ornitologia e referência na área.
Com uma vida acadêmica e profissional tão movimentada, era natural que há alguns anos, prestes a se aposentar, José Hidasi Filho se questionasse: “e agora?”. Na contramão do ócio e interessado em aprender mais sobre saúde bucal, em 2010 concorreu a uma vaga para Odontologia como portador de diploma. Está no último período do curso.
Estudante assíduo e interessado, ele reconhece as limitações da idade. “O ritmo de aprendizado é outro”, admite. José Hidasi diz que, em sala de aula, o choque de gerações é inevitável, embora procure compreender os colegas mais novos. “Existe um receio natural por causa da idade. São fases de vida diferentes. Para eles, sou um estranho no ninho”, brinca.
Nada que atrapalhe mais uma realização pessoal e profissional de quem é orgulho e exemplo para os sete filhos. “Cursar mais uma faculdade me tirou da ociosidade. Sinto-me útil mesmo depois da aposentadoria”. Com o diploma de Odontologia, José Hidasi pensa em ter um consultório. Questionado sobre o que vem a seguir, a resposta não poderia ser outra: “quem sabe uma especialização?”.
A busca pelo pensamento filosófico levou Paulo Roberto de volta à Universidade
Em busca de respostas
As Ciências Biológicas já não respondiam a todos os questionamentos levantados por Paulo Roberto Marra. Ele se formou em História Natural em 1971 e, em 2001, mesmo tendo enfrentado um infarto, concluiu o mestrado em Biologia pela UFG. Vinte anos depois de obter o título de mestre, decidiu ir em busca do estudo do pensamento filosófico e entrou para o curso de Filosofia da UFG como portador de diploma.
Aos 69 anos Paulo Roberto está na reta final de mais uma graduação e não é à toa que destaca o esforço pessoal como uma de suas principais características. “Senti dificuldade no primeiro período, depois fui me adaptando e, atualmente, tenho mais facilidade em relação aos conteúdos”. Para ele, a experiência ajuda na hora de assimilar uma leitura mais densa.
Paulo Roberto conta que a convivência com os colegas é harmônica e que alguns até procuram saber sobre sua trajetória profissional e a decisão de cursar Filosofia. A relação com os professores também é tranquila. “Alguns me consideram um colega”, afirma. E mesmo com a proximidade da conclusão do curso, os bancos acadêmicos permanecem em seus planos. Futuramente, pensa em concorrer ao mestrado em Filosofia da UFG e, assim, continuar os estudos na área.
Experiência enriquecedora
As experiências de vida levadas para a sala de aula são um diferencial quando o aprendizado envolve estudantes adultos e idosos. Segundo o professor Carlos Cardoso Silva, da Faculdade de Educação da UFG, é preciso trabalhar metodologias que valorizem essas experiências individuais – uma forma de superar as dificuldades cognitivas e até mesmo o receio que esses estudantes têm de não conseguir aprender por causa da idade.
O professor avalia que a inserção de idosos no meio acadêmico, além de promover participação social, escolarização e profissionalização, representa realização e valorização pessoal, ainda que não atuem no mercado de trabalho. “A convivência com idosos é muito significativa no sentido humano, pois são pessoas que têm muita experiência e enriquecem o grupo”.
Formas de ingresso na UFG
SiSU – O ingresso na UFG de estudantes com mais de 60 anos segue o mesmo procedimento dos demais: o candidato usa a nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para se candidatar a uma vaga pelo Sistema de Seleção Unificada (SiSU).
Portador de diploma – O Conselho de Ensino, Pesquisa, Extensão e Cultura (Cepec-UFG) vai discutir mudanças no Processo de Preenchimento de Vagas Remanescentes. A proposta de resolução da Câmara Superior de Graduação altera as regras atuais e prevê a utilização das notas do Enem para estudantes concorrerem a vagas como portadores de diploma.
Para ler o arquivo completo em PDF clique aqui
Nesta Edição
Fonte: Ascom UFG
Categorias: universidade