ENTREVISTA: Jovens conectados buscam maior participação política
ENTREVISTA: Jovens conectados buscam maior participação política
Texto: Angélica Queiroz | Foto: Victor Martins
José Machado Pais é cientista social, investigador e coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Desde a década de 80, analisa a juventude e é uma das maiores referências mundiais na área. O especialista esteve na UFG em janeiro, onde ministrou conferência sobre pesquisa com jovens e conversou com o Jornal UFG.
Quando o assunto juventude começou a chamar a sua atenção?
Quando era jovem sempre tive apetência por observar o que se passava à minha volta. Tocava viola ritmo em um conjunto musical, o Song’s Boys, que animava bailes em coletividades frequentadas por jovens. No palco, como os acordes musicais saíam automatizados, minha atenção dirigia-se para o salão de dança. Eu observava os rituais de aproximação, as estratégias de sedução, o movimento dos corpos que se aproximavam ou repeliam, carícias fugidas ao controle zeloso de algumas mães e tias, trocas comprometedoras de olhares. Creio que aí começou a nascer o meu interesse pelos enredos interacionistas que dão vida ao mundo das culturas juvenis. O interesse por pesquisar jovens a sério veio posteriormente, nos anos 80, quando já era pesquisador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Mas nunca perdi a tentação de olhar para as culturas juvenis na lógica de descoberta proposta por Paulo Freire, a chamada curiosidade espontânea.
Como o senhor avalia a diferença entre as demandas da juventude no Brasil e na Europa?
Tomando dados do Primeiro Inquérito Ibero-Americano de Juventudes, de 2013, constatamos que os jovens portugueses são os que mais se preocupam com problemas de emprego e economia, justamente por efeito da depressão econômica que o país tem vivido. Em contrapartida, os jovens brasileiros revelam maior preocupação em relação aos problemas da delinquência, da violência e das drogas. No entanto, a atual crise econômica no Brasil pode gerar uma maior conscientização dos jovens brasileiros em relação aos problemas econômicos do país. A precariedade de emprego poderá agravar-se, mostrando uma realidade que é estrutural no continente sul-americano.
Houve uma mudança de comportamento da juventude com o uso exacerbado da tecnologia. A escola tem conseguido acompanhar essa evolução?
As novas tecnologias de comunicação e informação, orientadas para o ensino, constituem um recurso pedagógico com imensas potencialidades. No entanto, se não forem usadas com critério, essas novas tecnologias podem induzir consumos alienantes, acríticos e superficiais. Muitos jovens se limitam a surfar na crista das ondas de informação. A abundância inesgotável de informação e entretenimento que a Internet proporciona leva muitos jovens a viverem numa ordem social que privilegia o aleatório, o fragmentário. No entanto, temos outros jovens que se servem das novas tecnologias para afirmarem sua cidadania, por exemplo, por meio da constituição de blogs, gerando novas formas de participação cívica. Eles estão na vanguarda de uma revolução no mundo da comunicação. A escola não deve estar alheia a essas realidades, devendo atuar como uma plataforma capaz de dar o nó a uma pluralidade de fontes de informação, de percursos de aquisição de conhecimentos. Só desse modo seremos capazes de assegurar uma educação realista e para a realidade, isto é, não divorciada da vida.
Estamos perante manifestações que mostram o claro desejo por parte de alguns jovens em participarem de uma realidade e um destino comum que lhes diz respeito
Avaliando o perfil da juventude atual é possível dizer qual o perfil de adultos teremos em alguns anos?
Se não houver uma virada inesperada nas políticas educacionais orientadas para uma maior democratização no acesso ao ensino, teremos futuramente uma juventude mais escolarizada, se comparada com as gerações anteriores. Os jovens com maior escolaridade, atuando em profissões liberais, tenderão a combinar capacidades profissionais e técnicas, relacionadas com as novas tecnologias de informação. Eles já fazem parte de uma nova categoria socioprofissional – os chamados jovens profitécnicos. Eles valorizam a flexibilidade e a qualidade do trabalho, o ganho que significa não dependerem de horários rígidos. Esta rebeldia e inconformismo constituem um traço cultural que não se pode desprezar, associado a valores pós-materialistas, onde a valorização da segurança do emprego dá espaço à valorização da realização profissional e pessoal e aos valores da autonomia. Mas estes precários de elite, como Guy Standing os designa, coexistirão com os precários por exclusão. As bolsas de miséria continuarão a existir.
Vivemos no Brasil um movimento de ocupação das escolas por jovens estudantes numa tentativa de mostrar a discordância com as ações do governo. É possível dizer se houve mudança no perfil de engajamento dos jovens hoje?
Segundo o Inquérito Ibero-Americano de Juventudes, os jovens brasileiros são os mais insatisfeitos em relação ao funcionamento da democracia. Esta é uma das possíveis explicações para o surgimento de novas formas de mobilização juvenil. O movimento de ocupação das escolas, assim como o crescente envolvimento dos jovens em outros recentes movimentos sociais traduz um desejo de participação que não exclui o voto democrático, mas vai muito além do simples voto. O acesso às novas tecnologias de comunicação é outra variável relevante para explicar o envolvimento dos jovens nestes movimentos. Elas oferecem aos jovens um maior acesso à informação e oportunidades de ação, promovendo a partilha e o debate de ideias, criando um sentimento subjetivo de empoderamento. Estamos perante manifestações que mostram o claro desejo por parte de alguns jovens em participarem de uma realidade e um destino comum que lhes diz respeito. Eles reivindicam ter uma palavra sobre ações políticas que mexem com suas vidas. Estamos perante novas formas de exercício da cidadania que desafiam os marcos de participação política convencional e institucionalizada.
Em Ganchos, tachos e biscates. Jovens, trabalho e futuro, o senhor realizou uma série de entrevistas com jovens com histórias de vida diferentes para conhecer suas dificuldades de emprego e sobrevivência. Como foi essa experiência?
Foi uma experiência de aprendizagem. Aprendi que as trajetórias de vida dos jovens se encontram numa verdadeira encruzilhada de destinos que lhes provoca, por vezes, um sentimento de enorme confusão e perda. Às vezes imagino jovens desempregados como passageiros que afluem a uma estação rodoviária fantasma, onde não se sabe a que horas chega o ônibus, nem qual o seu destino. Surgem, depois, funcionários solícitos vendendo títulos de transporte e promessas de que o ônibus está chegando. Assim, se encontram alguns jovens à espera de emprego: com títulos acadêmicos, ansiosos por embarcar, mas sem saberem quando chega o transporte e para onde ele vai. Nestas estações-fantasma, a espera é uma temporalidade que alimenta o desespero. Outros querem embarcar, mas encontram-se desprovidos de título de transporte. Talvez imaginem apanhar carona de alguém. Outros jovens se adaptam às condições de imprevisibilidade e aleatoriedade que pautam suas trajetórias de vida. A própria precariedade de emprego é vista, por alguns, como uma oportunidade de se adquirir experiência. Há ainda os que se envolvem em atividades de substituição ao estatuto de desemprego, descobrindo a sua “verdadeira vocação” em profissões artísticas, semi-artísticas ou criativas, para além dos que, com sucesso, montam o seu pequeno negócio. Outros se veem em situações de exclusão social.
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Categorias: entrevista jovens