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Universidade Federal de Goiás

Os fantasmas da guerrilha

Em 24/02/16 10:24. Atualizada em 26/02/16 14:36.

topo Jornal UFG 76

 

 

Os fantasmas da guerrilha

Investigação mostra que clima de repressão da Guerrilha do Araguaia ainda assombra população do sul do Pará 

Texto: Silvânia Lima | Fotos: Arquivo Pessoal

Os fantasmas da guerrilha

 

A busca pela compreensão de um dado fenômeno social, considerando-se os fatores e elementos com os quais interage e o influenciam, é o principal objetivo da pesquisa em Ciências Humanas. O esforço para decifrar o objeto de estudo geralmente se dá por meio de uma área temática e suas teorias. Mas é a determinação do pesquisador no exaustivo trabalho de investigação e de interpretação dos fatos que atribui o valor e o sucesso da sua abordagem.

O combate a um grupo de guerrilheiros movido pelo ideal político de promover a resistência no campo, às margens do Rio Araguaia, entre Marabá e Xambioá, sul do Pará, em plena repressão militar, ocorrido há 43 anos, ainda atrai a atenção de historiadores. Primeiramente, pela verdadeira estrutura de guerra com o uso de extrema violência para deter um grupo pequeno de jovens guerrilheiros – em sua maioria, universitários e profissionais graduados, sem nenhuma experiência com armas, mas resistentes à ação militar ostensiva. Posteriormente, pela continuidade da opressão na região, mesmo com o fim da Guerrilha, que nem chegou a acontecer.

Conhecida pelos conflitos de terras, a região do sul do Pará tem sido palco de tensões continuadas entre forças opressoras e de resistência desde o militarismo – com destaque para o período da Constituinte (1987/88) – e não é à toa que nasce ali um dos núcleos de criação da União Democrática Ruralista (UDR/1986). Registros sinalizam o aumento de práticas criminosas, incluindo assassinatos de camponeses e até de lideranças eclesiásticas, sob o fomento da prática da pistolagem e da falsificação de documentos. À época, próximo dali, eclodiu ainda o advento de Serra Pelada, maior garimpo a céu aberto do mundo. No entanto, o que esses fatos têm em comum com a desconstrução da Guerrilha do Araguaia?

O estudo do professor Romualdo Pessoa Campos Filho, do Instituto de Estudos Socioambientais (Iesa) da UFG, mostra que a partir da Guerrilha (1975-2000) a luta pela terra naquela região foi impregnada pela ideologia da Lei de Segurança Nacional. As estratégias militares passaram a ter como objetivo influenciar nos conflitos, identificando e reforçando as estruturas dos sindicatos. “O refinamento de estratégias sutis de infiltração e o processo de violência instalado, a partir da atuação do Serviço Nacional de Inteligência (SNI), com destaque para a Guerra de Perdidos, que resultou na morte de um policial, um agente do Incra e na prisão de 30 camponeses, entre 1975 e 1976, já depois da Guerrilha, não seriam possíveis se não houvesse o amparo do estado”, afirma o professor.

Além da bibliografia e das dezenas de viagens in loco, a investigação dos fatos e a caracterização geográfica da região foram possíveis por meio das cerca de 50 entrevistas feitas com pessoas da região. O trabalho que resultou no doutorado em Geografia, com viés em Geopolítica, foi orientado pela professora Celene Cunha Monteiro Antunes Barreira, do Iesa.

 

Mapa de localização dos municípios em área de conflito

 

Curió

“É muito traumático o pós-guerra. Famílias vitimadas, pessoas desaparecidas, e as forças opressivas continuando a agir, mantendo vigilância permanente, a fim de evitar que houvesse desdobramentos do movimento de resistência. Passei a perceber que o que aconteceu pós-guerrilha, para a população local foi pior pelo terror vivido. Todo aquele aparato para destruir a Guerrilha permaneceu na região para eliminar vestígios e garantir a ‘ordem’, sob o comando de um indivíduo, Sebastião Rodrigues de Moura, o major Sebastião Curió. Não imaginava incluir Serra Pelada na pesquisa, que fica a 150 km da região da Guerrilha, no entanto, chamou-me a atenção o fato do Curió ter sido interventor em Serra Pelada. Observei que a estrutura montada por ele não era só para controle do ouro, mas também pelo mesmo motivo de sua permanência na região da Guerrilha, o de impedir uma possível organização dos garimpeiros”, constata Romualdo Campos Filho.

Conhecido por sua natureza fria e perversa, e pelo poder de persuasão, Curió era do centro de informação do Exército, elemento de um poder real, mas não institucionalizado. Com o apoio de três centenas de agentes do Serviço Nacional de Investigação (SNI), Curió comandava uma espécie de quartel general em Serra Pelada. “Sempre que tinha um conflito, ele era o primeiro que ia para resolver a questão, um verdadeiro coronel. Delegado prendia, Curió mandava soltar. Dessa forma, acabou sendo eleito deputado federal, em 1982”.
Formação continuada

A construção do trabalho científico em ciências humanas não se dá de forma efêmera e ao acaso. Geralmente o pesquisador segue uma linha de conhecimento, eleita no início de sua formação, e isso conduz ao aprimoramento de sua linha de pesquisa. Outro aspecto importante do estudo continuado é o potencial de gerar diversos trabalhos científicos. Motivo pelo qual esse estudo ganhou força.

Enquanto historiador, aquele fato histórico ainda sem fechamento continuava a atrair a atenção de Romualdo Campos Filho, que há 20 anos, concluía o mestrado dedicado ao estudo da Guerrilha do Araguaia, que resultou na publicação do seu primeiro livro. Anos depois, foi convidado pelo Ministério da Justiça e da Defesa e pelo Ministério dos Direitos Humanos, a integrar o Grupo de Trabalho do Araguaia (GTA), formado por antropólogos, arqueólogos, historiadores e familiares das vítimas, para dar respostas ao desfecho do fato ocorrido no sul do Pará, entre os anos 72 e 74. O GTA contou com o apoio do Exército e teve, como base, levantamentos já listados pelo Grupo de Trabalho do Tocantins, mantido pelas famílias atingidas.

O alto nível do grupo, a facilidade de acesso a documentos, inclusive de Guarda Nacional, e o olhar diferenciado para novos fatos investigados levaram Romualdo Campos a redirecionar seu doutorado, já em andamento. Ao retornar à região do conflito, o pesquisador constatou a força da repressão ainda presente, perpetuando sérias consequências para a população. Sendo assim, o pós-guerrilha passa a ser o objeto de sua pesquisa. A tese, defendida há dois anos, também foi transformada no livro Araguaia – depois da guerrilha, outra guerra, da Editora Anita Garibaldi.

Romualdo Campos Filho é membro da Comissão de Altos Estudos do Memórias Reveladas – Centro de Referência das Lutas Políticas do Brasil (1964-1985), vinculado ao Arquivo Nacional. Na UFG, o professor está ligado ao Laboratório de Estudos e Pesquisas das Dinâmicas Territoriais (Laboter), ao Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre o Capital e ao Núcleo de Estudos Geopolíticos.

 

Algumas das lideranças populares assassinadas no sul do Pará

Algumas das lideranças populares assassinadas no sul do Pará

 

Para ler o arquivo completo em PDF clique aqui

 

Fonte: Ascom UFG

Categorias: pesquisa IESA