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Universidade Federal de Goiás

Juventude goianiense se reconhece na Congada

Em 03/06/13 16:58. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 58 – MAIO – 2013

Juventude goianiense se reconhece na Congada

A festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário, que ocorre em Goiânia nos meses de maio e setembro, é o resultado de uma sólida convivência entre várias gerações que pertencem às irmandades negras. Por meio da tradição, os jovens, em especial, afirmam sua identidade e sua relação com a cidade

Texto: Patrícia da Veiga | Fotos: Carlos Siqueira e Alice Fátima Martins

congada vermelho
Eles estão na Congada desde cedo. São fardados ainda bebês, com três ou seis meses de idade, ou chegam na adolescência, convidados por um parente ou amigo. Eles assumem responsabilidade com os preparativos da festa em louvor a Nossa Senhora do Rosário ao longo de todo o ano e se encantam com tudo o que ela representa para as irmandades negras de Goiânia. Eles tocam, dançam, reverenciam, percorrem toda a cidade e, assim, constroem sua identidade. No dia-a-dia, ouvem as músicas da estação, trabalham, estudam, não saem das lan houses e alimentam várias páginas na internet dedicadas ao “universo congadeiro”. Os jovens goianienses e a Congada possuem uma estreita relação, o que faz com que sua participação seja fundamental para que a tradição se mantenha viva e se renove.
Essas são algumas das conclusões presentes no trabalho da pesquisadora Adriane Damascena, intitulado Os jovens, a congada e a cidade: percursos e identidades de jovens congadeiros em Goiânia. O texto é o resultado da sua tese de doutoramento, defendida em 2012, no âmbito do Programa de Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA). Sob a orientação do professor Alex Ratts, do Laboratório de Estudos de Gênero, Étnico–Raciais e Espacialidades (Lagente), Adriane  Damascena acompanhou pessoas com idade entre 15 e 25 anos que participaram dos festejos da Congada de Goiânia no ano de 2009. Na ocasião, ela distribuiu 51 questionários e realizou diversas entrevistas.
A partir dos relatos de pesquisa de Adriane Damascena, é possível inferir que os jovens congadeiros são, em boa parte, moradores da periferia, negros ou pardos, com renda familiar de até dois salários mínimos e trabalhadores. Eles exercem atividades de motoboy, mecânico, vendedor, entregador, pintor e professor. Alguns estudam ou dividem o tempo dos livros com o trabalho, mas há um porcentual de 35% que não realiza nenhuma dessas atividades. A maioria anda de ônibus, circula bastante pela cidade, realiza suas atividades do dia-a-dia em diversos bairros e acessam a internet pelo menos duas vezes por semana, em lan houses ou na escola.
Mais de 63% dos jovens participam da Congada porque sua família está envolvida na tradição, 21,14% foram levados por amigos e 15,39% se encantou à primeira vista. Foram fardados desde que nasceram cerca de 33%, 47% participam há mais de cinco anos e 18% acabaram de chegar. Em todos os discursos é latente o desejo de aprender com os mais velhos e prosseguir com os cortejos em louvor a Nossa Senhora do Rosário. “A gente é a continuação, a gente precisa se incentivar, ser incentivado e incentivar os pequenos a continuar também”, defende Plínio Carvalho, de 20 anos, integrante do terno Vinho e Branco.
De acordo com Adriane Damascena, esses jovens se envolvem na medida em que se sentem pertencentes a uma comunidade e a um lugar. Eles são responsáveis por garantir “novas espacialidades” à Congada, seja nas ruas ou em blogs e redes sociais virtuais, do mesmo modo que vão reinventando e reinterpretando a tradição. Com a congada, segundo escreve a pesquisadora na página 137 de sua tese, os jovens “exercem uma prática mais cidadã com cooperação, etnicidade, espírito de comunidade e amizade que, em certa medida, alicerçam relações do ponto de vista político e também econômico”.
O Congo e suas origens
 
Vó congada Luís da Câmara Cascudo, na obra Literatura oral do Brasil, define Congada, Congado ou Congo como sendo “danças com representações sucessivas de episódios, apresentados exclusivamente por negros”. O pesquisador aponta como “motivação” para a realização desses cortejos dançados e cantados eventos como cerimônias de coroamentos dos reis do Congo, apresentações de danças guerreiras e demais manifestações cuja finalidade é recordar o passado dos povos de origem africana, sobretudo, oriundos da civilização Banto (formada há cerca de 4 mil anos ao sul do continente, a partir da Nigéria). Ele faz ainda um mapeamento em território nacional: “Há em todo o nordeste, e no meio-norte, Alagoas, Sergipe, Bahia, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás, com condições locais, no sentido da música, dos bailados e do próprio enredo”.
Nas palavras dos congadeiros, a base da Congada e da festa do Rosário é a homenagem a Nossa Senhora do Rosário e, eventualmente, a Santa Efigênia, São Benedito e São Sebastião.  De modo geral, conforme escreve o professor Alex Ratts no artigo Mito, memória e identidade negra nas congadas do Brasil Central, a origem “das Festas do Rosário e Congada refere-se a uma aparição da Virgem Maria no período escravagista em um local impreciso, aberto – deserto, mar, montanha ou gruta – em que brancos e negros, e, às vezes, índios a vêem”. O milagre de Nossa Senhora do Rosário se dá na medida em que apenas os negros e seus batuques conseguem retirar a santa do lugar de seu aparecimento. Os senhores brancos tentam, mas apenas os escravos conseguem. Com o cortejo do terno de congo a santa “se anima”, com o chamado do Terno Moçambique a santa escolhe seu povo. Como classifica Alex Ratts, trata-se de um “fenômeno transatlântico” que faz parte dos rituais do “catolicismo negro”. Congada, portanto, é expressão religiosa, manifestação cultural, dança folclórica, parte de uma festa popular, o retrato de diversas trajetórias que se cruzam, o resultado de uma história de luta e resistência, a memória viva do povo negro. “É família, nação, sangue”, define Valéria Santos, congadeira de Goiânia, presidente da Irmandade 13 de Maio. É também “um grito contra a opressão, o ódio, a dor”, opina Sandro Rodrigues de Oliveira, capitão do Terno de Congo Rosa e Branco, da Vila Santa Helena, o mais antigo de Goiânia. Goiânia tem congada? Tem sim, senhor! 
 
congada rosa
 
Maio é mês de festa na Vila Mutirão, no Jardim Liberdade, na Vila Santa Helena e adjacências. Na primeira quinzena do mês, Nossa Senhora do Rosário é louvada com cortejos, orações, missa, novena, dança, brilhos e cores em um trajeto que vai da Vila Abajá à Matriz de Campinas. Em setembro, é a vez da Vila João Vaz homenagear a santa. Duas grandes irmandades, 13 de Maio e Vila João Vaz, cuidam dessas festas, respectivamente. De modo geral, toda a região noroeste de Goiânia acolhe e participa da Congada. Por isso, os congadeiros das duas irmandades (13 de Maio e João Vaz) têm o costume de dizer que sua manifestação cultural e de fé não tem restrição, pelo contrário, serve como esteio e inclusão. Vale a pena conferir!
congada verde
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