ENTREVISTA: Carolina Horta Andrade - A dedicação feminina no universo da ciência
ENTREVISTA: Carolina Horta Andrade - A dedicação feminina no universo da ciência
Texto: Angélica Queiroz | Foto: Carlos Siqueira
Natural de Formosa, no interior do Estado, a pesquisadora e professora da Faculdade de Farmácia da UFG, Carolina Horta Andrade, descobriu-se apaixonada por ciência ainda criança, mas viu sua rotina mudar quando sua pesquisa que busca novos medicamentos eficazes e de baixo custo para o tratamento de Leishmaniose ganhou destaque nacional e internacional. No ano passado, Carolina foi a primeira goiana a conquistar o prêmio Para Mulheres na Ciência, único programa brasileiro dedicado a mulheres cientistas, realizado pela L’Oréal em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) e a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Este ano, a pesquisadora da UFG também recebeu o prêmio International Rising Talents (Talentos Internacionais em Ascensão). A jovem farmacêutica, que já acumula vasta bagagem acadêmica, conversou com o Jornal UFG sobre os desafios de ser pesquisadora e a importância das recentes conquistas para a sua carreira.
O que te estimulou a seguir a carreira acadêmica? Como conciliar as atividades de ensino e pesquisa?
Durante a minha graduação em Farmácia, quando realizei Iniciação Científica e desenvolvi meu Trabalho de Conclusão de Curso, percebi que gostava muito da área acadêmica, em especial, da Química Medicinal, minha área de pesquisa. Desde criança eu sempre gostei de ciência, dos fenômenos naturais e biológicos, participei de várias Feiras de Ciências no colégio. Acredito que as Feiras de Ciências me proporcionaram um contato mais próximo com o “fazer ciência e tentar mudar o mundo”, e tudo isso me estimulou a seguir aquilo que eu mais gostava. Não é fácil conciliar as atividades de ensino e de pesquisa. Acredito que tenho, também, aptidão pelo ensino, gosto muito de ensinar aquilo que sei, que aprendi e aprendo muito com os meus alunos. Tento sempre conciliar as duas atividades, mas, muitas vezes, queremos dedicar a maior parte do nosso tempo à pesquisa.
O que é mais estimulante e o que é mais frustrante na carreira?
Acredito que o mais estimulante na pesquisa é a vontade e a necessidade de desenvolver medicamentos para milhares de pessoas que sofrem com determinadas doenças que não tem tratamento. Além disso, poder ensinar aquilo que sei e que aprendi é muito estimulante e gratificante. No entanto, nos sentimos muito frustrados por não sermos, na maioria das vezes, reconhecidos pela sociedade e pelos governos.
Por que decidiu pesquisar a Leishmaniose?
Quando iniciei minha carreira de pesquisadora na UFG, decidi pesquisar sobre a descoberta de novos fármacos (princípios ativos dos medicamentos) para algumas doenças conhecidas por Tropicais Negligenciadas, dentre elas a Leishmaniose. Meu interesse surgiu, principalmente, por serem doenças que representam graves problemas de saúde pública, por atingirem países tropicais, populações mais pobres, marginalizadas e por possuírem grande impacto mundial em termos de números de pessoas infectadas, números de mortes por ano e número de pessoas em áreas sob o risco de contrair essas doenças. Os medicamentos disponíveis para o tratamento dessas doenças não são totalmente eficazes, apresentam graves efeitos colaterais e em alguns casos, inexistem. O tratamento da Leishmaniose, por exemplo, enfrenta vários desafios, como a disponibilidade de pouquíssimos medicamentos, falta de eficácia dos medicamentos existentes, alta toxicidade e alto custo de algumas terapias. Por isso a necessidade de pesquisar novos medicamentos para tratar uma doença que atinge um milhão de pessoas a cada ano. Além da Leishmaniose, no nosso laboratório trabalhamos também com a busca de novos fármacos para outras doenças como Tuberculose, Malária, Esquistossomose e Doença de Chagas.
Como a conquista dos prêmios afetou a sua rotina e contribuiu para a continuidade de sua pesquisa?
Nas semanas ou meses que antecederam e após as premiações, tive que tirar tempo na agenda corrida da pesquisa e aulas na faculdade para gravar entrevistas ao vivo, via telefone, vídeos e fazer fotos, o que muda bastante a rotina de uma pesquisadora. Mas tudo isso foi e é muito gratificante, pois os prêmios, mais do que tudo, trouxeram visibilidade para as pesquisas de qualidade que desenvolvemos na Faculdade de Farmácia da UFG. É recompensador ser reconhecida pelas pesquisas que temos desenvolvido há mais de cinco anos. Além disso, os prêmios da L’Oréal e Unesco estão contribuindo bastante para a continuidade da pesquisa, através dos prêmios em dinheiro, que estão sendo aplicados para a continuidade dela.
A Unesco estima que apenas 30% dos pesquisadores do mundo são mulheres. Quais os principais desafios que as mulheres cientistas ainda enfrentam?
Acredito que como em todas as outras áreas, as mulheres conquistaram seu espaço no mercado de trabalho, assim como na ciência. Os desafios também são comuns para todas as áreas, sendo o preconceito e o machismo os maiores a serem superados. Na carreira científica, as mulheres ainda são minoria, e acho que outras atribuições e prioridades, como a maternidade e o casamento, fazem com que as mulheres se afastem da pesquisa com o passar do tempo, pois ainda enfrentam dificuldades em conciliar a vida familiar e afetiva com a grande dedicação exigida pela carreira acadêmica. Sobretudo, considerando os elevados padrões e exigências de produtividade, e a enorme competição nas diferentes áreas do conhecimento, poucas mulheres ocupam o topo no sistema científico. Apesar de todas as mudanças sociais já alcançadas pelas mulheres, o modelo patriarcal persiste na nossa sociedade. Ainda cabem às mulheres as responsabilidades domésticas, com as crianças e os cuidados com os idosos. Além disso, no Brasil, outros desafios não relacionados ao gênero envolvem a escassez e dificuldade em conseguir financiamento para as pesquisas, além da burocracia encontrada para importação de materiais e equipamentos.
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