ARTIGO: Redução da Maioridade Penal: mais segurança ou mais violência?
ARTIGO: Redução da Maioridade Penal: mais segurança ou mais violência?
Djaci David de Oliveira*
A redução da maioridade penal tem sido apontada por alguns parlamentares como uma política de segurança pública. Supostamente, os adolescentes de 16 e 17 anos são responsáveis pelos altos índices de criminalidade e, por não serem punidos como adultos, acabariam favorecendo a impunidade. De acordo com os parlamentares, a redução da maioridade penal contribuirá para uma melhoria da segurança, uma vez que reduzirá as práticas de violência na sociedade, entre elas, os homicídios.
Para muitos expoentes do campo jurídico, a proposta é completamente equivocada, pois a Constituição Federal veta toda e qualquer tentativa de eliminar direitos sociais. Isto é, só se poderia propor e aprovar a redução da maioridade penal em uma nova constituição. Partindo dessa premissa, poderíamos ficar todos tranquilos, pois, no momento oportuno, uma lei absurda não passaria. Infelizmente não é assim que devemos pensar. Absurdos ocorrem constantemente e, por mais incoerente que seja a lei, o Congresso Nacional pode fazer valer suas vontades.
A proposta não deve ser vista como uma política de segurança. Quem deseja mais segurança deve pensar mais amplamente nos dados que antecedem os problemas e nos possíveis desdobramentos das políticas propostas. Nem sempre isso é fácil, pois requer que as agências estatais produzam dados fieis e que eles sejam transparentes. A partir deles podemos construir cenários, projeções e pensar em novas práticas de políticas públicas.
Os dados estatísticos produzidos sobre adolescentes e crimes apontam que a faixa etária de 16 e 17 anos não está entre a principal responsável pela violência na sociedade. Como já se foi amplamente divulgado, dentre mais de 20 milhões de adolescentes, 22.077 estão em conflito com a lei. Isto representa 0,01%. Por pequeno que seja, este é um problema que devemos enfrentar, mas definitivamente, é uma farsa afirmar que eles representam uma ameaça social que obriga uma redução da maioridade penal.
Mas, muito mais grave é que, ao contrário do que se fala, a redução da maioridade penal tem todos os ingredientes para ampliar o número de mortes violentas (homicídio, mortes no trânsito e suicídios). É possível chegarmos a essa conclusão observando os desdobramentos imediatos de uma eventual aprovação dessa proposta.
Dos desdobramentos possíveis e imediatos dois deles são o direito de dirigir aos 16 anos e a venda de bebidas alcóolicas para os adolescentes de 16 e 17 anos. Separadamente cada um já produz estragos. Já a combinação terá um desfecho ainda mais trágico para a sociedade que anseia tanto por garantias de segurança. Os mais otimistas poderiam afirmar que podemos reduzir a maioridade penal, mas sem estender seus efeitos para as demais áreas do direito. Pura ilusão. Quem lutará contra dois dos segmentos mais virulentos da indústria brasileira, o setor automotivo e a indústria de bebidas? O pesado lobby desses dois poderosos segmentos será capaz de santificar quaisquer propostas, por pior que sejam, desde que favoreçam a ampliação das vendas dos seus produtos.
Isso já está em prática. No Congresso existem mais de 50 propostas que objetivam permitir o direito de dirigir a partir dos 16 anos. O que impede sua aprovação? O fato de que adolescentes de 16 e 17 anos não respondem penalmente. Nesse caso apelam para o pânico e vendem a política de encarceramento como panaceia. Todavia, o recente relatório What Caused the Crime Decline?, publicado em 2015 pelo Brenner Center for Justice, da Universidade de Nova York, demonstra amplamente que a política de mais encarceramento, além de não reduzir a violência, deixou um passivo extraordinário de despesas para a sociedade americana. O encarceramento foi um fracasso. Enfim, reduzir a maioridade penal, além de produzir mais violência (via consumo de álcool) e mais mortes violentas (via acidentes de trânsito), não nos dará uma sociedade melhor.
*Dijaci David de Oliveira é doutor em Sociologia e diretor da Faculdade de Ciências Sociais (FCS) da UFG.
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