Bases para transformar a sociedade
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 56 – MARÇO – 2013
Bases para transformar a sociedade
Para resolver uma trajetória de desigualdades e injustiças, Solon Viola, coordenador do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH) e professor da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), recomenda que as escolhas sociais sejam pautadas pela dimensão dos direitos humanos. Essencialmente, isso implica formar cidadãos com base em princípios que resguardem a vida humana. No caso brasileiro, diz o professor, a recuperação da memória do país e a promoção do debate conceitual sobre direitos humanos são medidas a serem tomadas, sobretudo, no plano da educação formal. Em entrevista ao Jornal UFG, Solon Viola descreve a trajetória das iniciativas de educação em direitos humanos no Brasil e explica a evolução normativa e institucional da área, que atualmente conta com um Plano Nacional e muito em breve será legitimada também por diretrizes curriculares. O professor esteve na UFG no final do ano passado, a convite do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Direitos Humanos da UFG (NDH). Na ocasião, ele participou do lançamento do V Colóquio Interamericano de Educação e Direitos Humanos, evento que, este ano, será realizado em Goiânia.
Texto: Patrícia da Veiga | Fotos: Thamara FaguryPara Solon Viola, as escolhas coletivas devem “ser resididas pela dimensão dos direitos humanos”
O que marca o início da educação em direitos humanos no Brasil?
Em sua gênese, a sociedade brasileira não oferece muitos direitos. São privilégios para poucos e carências para a maioria. E, para essa maioria, é negado o direito, inclusive, como perspectiva de vida. Veja que a grande mídia, por exemplo, fala que os direitos humanos são para defender “bandido”. Os direitos humanos aparecem como algo importante para a sociedade brasileira muito recentemente, durante a ditadura militar, em razão dos crimes praticados contra a humanidade nesse período: tortura, sequestro, prisão arbitrária, desaparecimento de corpos, mortes, atos de terrorismo contra a sociedade. Em meio a isso, surgiu a ideia de que a população precisava saber o que são direitos humanos. E a única forma de fazer isso seria por meio da educação. Nessa época, o Brasil tinha uma experiência muito bonita de educação popular, feita no Centro de Cultura Popular e com os Movimentos de Educação de Base. Os educadores em direitos humanos recuperaram essas metodologias pensando nos conteúdos fundamentais da área. O que é um direito humano? E o que representam os direitos humanos para uma sociedade como essa, em que há muita fome, falta moradia, em que as pessoas podem ser humilhadas? Então, começou-se a reunir aquilo que é o grande conteúdo universal dos direitos humanos e aquilo que é a nossa experiência histórica de uma educação capaz de ouvir e de entender as experiências de diferentes culturas.
Essa trajetória teve continuidade?
O segundo marco da educação em direitos humanos deu-se com a abertura democrática, em meados de 1980 e 1990. O que era feito às escondidas, na “catacumba”, passa a existir abertamente. Desse modo, são desenvolvidas experiências em todo o Brasil, mas especialmente em São Paulo, durante a gestão de Heloísa Erundina, quando Paulo Freire foi secretário de Educação, e em Pernambuco, no governo de Miguel Arraes, com Aida Monteiro à frente da pasta de Educação. Em seguida, foram feitas atividades na Paraíba, em Santa Catarina e no Rio Grande do Sul. No início de 1990, a Rede Brasileira de Direitos Humanos (RBDH) foi criada. Essa rede implantou atividades Brasil afora, aproveitando a primeira grande oportunidade de discussão com a sociedade. Contudo, essas iniciativas não chegaram a atingir o sistema formal de ensino. Em 2003, no primeiro ano do governo de Luís Inácio Lula da Silva, foi criado o Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos, responsável pela elaboração de um Plano Nacional. O documento passou a servir como orientação para as políticas públicas destinadas a áreas como ensino superior, ensino fundamental, mídia, justiça e segurança pública, com repercussões efetivas. Hoje existem grupos de pesquisa e programas de pós-graduação em direitos humanos consolidados em vários estados do país, entre eles Goiás.
Em que momento e com quais objetivos foram elaboradas as Diretrizes Nacionais de Educação em Direitos Humanos (DNEDH)?
Trata-se de uma proposta que o Comitê fez ao Ministério da Educação e ao Conselho Nacional de Educação. Foi feita uma proposta envolvendo todo o sistema de ensino, do fundamental à universidade. Assim, a diferença do plano para as diretrizes é que essas têm valor de lei, são orientadoras para o sistema de ensino brasileiro de modo geral, assim como os Parâmetros Curriculares Nacionais. As diretrizes orientam sobre a criação de núcleos de estudo, criam disciplinas de direitos humanos nas universidades, e sugerem conteúdos da área para o ensino fundamental, entre outras ações. Há iniciativas interessantes sendo desenvolvidas em direitos humanos, mas há certo receio de que tudo passe a ser direito humano e os avanços históricos tornem-se um problema. Por exemplo, há um movimento da burguesia carioca que sugere que “direitos humanos são pra humanos direitos”. É um equívoco. Direitos humanos são para todos ou para ninguém. Se é para um “humano direito” é privilégio. Isso cria um dilema: como a cultura dos direitos humanos não existe, tem de ser construída, e ainda tem de combater a cultura do preconceito, que está muito arraigada. Às vezes, pode-se pensar que se trata de um projeto de direitos humanos quando o que se faz é moral e cívica. Isso é a negação do conhecimento. Por isso as diretrizes são importantes.
Quais temas podem ser trabalhados em um programa de educação em direitos humanos?
No mundo moderno, os direitos humanos surgem como uma tríade: liberdade, igualdade e fraternidade. No Brasil, não resolvemos essa tríade. Questões fundamentais da condição de vida humana digna não estão resolvidas em nosso país. Afinal, se a desigualdade prevalece, a liberdade não existe. Há quem não tenha recurso para se locomover, andar de ônibus na cidade, por exemplo. Contudo, no século 21, surgem novas questões e reivindicações. Por exemplo: uma igualdade fundamental é também a igualdade entre gêneros, as escolhas individuais também devem ser resguardadas como liberdade individual. Outra questão: atualmente, não podemos pensar em direitos humanos sem incluir os direitos dos povos originários, dos povos que formaram a primeira riqueza brasileira no período colonial. Nota-se, com isso, que a tríade carrega alguns elementos que são peça-chave na contemporaneidade. Outro tema: Quando a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi redigida, ainda não eram alarmantes os problemas relacionados à sobrevivência ambiental do planeta. Agora, isso é urgente. As populações desaparecem culturalmente na medida em que o ambiente é destruído. Então, a humanidade vai ter de escolher entre preservar uma cultura e fazer, por exemplo, uma usina ou um investimento industrial. São escolhas que precisam ser presididas pela dimensão dos direitos humanos.
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