Atuação do poder público é indispensável à proteção da fauna
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 56 – MARÇO – 2013
Atuação do poder público é indispensável à proteção da fauna
Em abril será realizado em Goiânia, numa promoção da UFG e do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV-GO), o II Congresso Internacional Transdisciplinar de Proteção à Fauna. A proteção dos animais é um tema que perpassa não só as áreas de Biologia, Veterinária e Zootecnia, mas chega também ao âmbito do Direito e da Medicina. Pensar em mecanismos de proteção à fauna é impensável sem a reflexão vinda de todos esses campos. Para discutir algumas das questões polêmicas relacionadas ao tema, o Jornal UFG convidou a promotora do Ministério da Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente, Sandra Mara Garbelini; o professor da Faculdade de Medicina e chefe de Cirurgia do Aparelho Digestivo do Hospital das Clínicas da UFG, Claudemiro Quireze Júnior; e o representante do Conselho de Bem-Estar Animal do CRMV-GO, Willian Pires de Oliveira. Confira a discussão
Texto: Kharen Stecca e Silvânia Lima | Fotos: Carlos Siqueira
O tema proteção dos animais tem sido explorado de forma recorrente, com destaque para a falta de zelo e para a posse responsável, especialmente dos animais domésticos. O que falta para a mídia explorar e o que a sociedade precisa perceber sobre essa questão?
Willian Pires - É preciso mostrar à sociedade a importância da posse responsável. O que nós vemos é a falta de educação da comunidade. Há pessoas que querem ter o animal e não entendem que é preciso ter condições para isso. Os princípios básicos de segurança, alimentação, abrigo, higiene sanitária, tempo e carinho a ser dispensado a esse animal, isso às vezes falta à população. Muitas vezes a pessoa busca um animal para preencher algum espaço que em sua residência, ou para a segurança, ou porque acha o bichinho bonitinho. Temos que mostrar à sociedade a importância da posse responsável. Temos que pensar no bem-estar dos animais, acho que o poder público pode influenciar muito isso. A repressão deve existir, mas a parte educativa é um fator de muita importância nessa questão da posse responsável, na questão do bem-estar dos animais, principalmente os animais de companhia.
Sandra Mara Garbelini - Percebemos realmente que falta explorar a questão do bem-estar animal, porque, em termos históricos, nós percebemos o individualismo do homem, de querer ter o animal para o seu deleite. Até os zoológicos estão passando por essa reformulação de pensamento, antes existiam para o deleite do homem e, hoje entende-se que é preciso ver o ponto de vista do animal, levar em conta seu bem-estar. Então acredito que a mídia deve explorar o lado do animal, não do homem individualista, querendo passear no parque apenas para o seu deleite, ou chegar em casa e receber aquele afago, mas para ver se aquele animal está sendo bem cuidado, se ele está sendo bem nutrido, se ele tem carinho, e (no caso dos animais silvestres) se não está no seu habitat natural. É preciso perceber o ponto de vista do animal, como sujeito de direito.
Claudemiro Quireze Júnior - Acredito que o que precisa ser mais divulgado no âmbito das pesquisas com animais de experimentação é que pesquisa traz desenvolvimento para o homem, de forma que muito se pensa e se discute a propósito dos animais utilizados em pesquisas experimentais, mas pouco se sabe sobre o que essas pesquisas agregam de benefícios para a humanidade. Um dos benefícios que posso mencionar são o desenvolvimento de transplantes de órgãos. Acredito que estamos bem amparados do ponto de vista legal. Existe uma lei federal de 2008 que cria o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) exatamente para fazer esse tipo de supervisão e para balizar as atividades de utilização de animais em experimentação. Essas experimentações resultam em programas diversos, em tratamentos de diversas doenças, no desenvolvimento de técnicas operatórias, isso de maneira direta traz um beneficio para a população. Os pesquisadores hoje são altamente profissionais nesse sentido. Existem pessoas formadas para isso, altamente especializadas, e a gente acredita que uma das formas de se proteger o animal é reforçar a aplicação da lei. Então acho que essa é uma das formas também mais pragmáticas de proteger os animais que vão para a experimentação.
O senhor poderia informar que tratamento deve ser dispensado, os cuidados necessários quanto ao uso de animais em laboratórios de pesquisa?
Claudemiro Quireze Júnior - Na UFG, antes de cada pesquisa, após a revisão bibliográfica e a determinação dos objetivos, temos apoio estatístico para que se defina o número necessário de animais, e outros cuidados para que não exista abuso no uso de animais. Em todos os procedimentos cirúrgicos feitos em animais de médio porte, como os suínos, um médico veterinário está presente. As condições sanitárias são respeitadas, eles são alimentados com rações próprias para a espécie, não há privação de água, todos os princípios legais são obedecidos. Não se faz nenhum tipo de experimentação em animal sem que previamente esse projeto de pesquisa seja submetido a um comitê de ética. Então é fundamental que exista um comitê de ética atuante, com a participação multidisciplinar que ele exige, e que todas essas pessoas saibam o que será realizado. A pesquisa com experimentação segue esses passos, tem-se uma preocupação muito grande com o critério de anestesia nesses animais, precaução de dor, não se faz nenhum tipo de experimentação em animais doentes. O número de animais utilizados é o absolutamente necessário para atender àquela pesquisa e há técnicas específicas para eutanásia e isso tem que ser conduzido por mãos experientes. O processo começa na elaboração de um projeto de pesquisa. Na UFG, existe o comitê de ética e isso é escrutinado à exaustão. A pesquisa só tem início com o acompanhamento formal de uma pessoa. Nos procedimentos que exigem anestesia, temos um médico veterinário anestesiologista e residentes, tantos que esses procedimentos não ocorrem só na Faculdade de Medicina, mas também no Hospital Veterinário, de maneira a proteger o animal de experimentação. A eutanásia é conduzida de forma ética, e, o mais importante, após o término, o descarte das carcaças também segue orientações legais.
Sandra Mara Garbelini - Nós do Ministério Público entendemos que a universidade é um ambiente realmente adequado para essas experimentações, porque ela reúne todas as condições, todos os cuidados, toda a interdisciplinaridade exigida. O que temos tido de casos recorrentes na Justiça e que pede a atuação do Ministério Público, dada a polêmica que provocam, são, na maioria das vezes, cursos privados que não têm ligação com a universidade e que não respeitam as normas vigentes. Do ponto de vista da atuação do Ministério Público e da Justiça, quando há a necessidade de impedir ou interditar alguns locais são geralmente desses cursos de finais de semana. Neles não se respeitam todas as regras. Nós entendemos que a universidade é o ambiente adequado para esses experimentos de desenvolvimento da pesquisa.
Como a Medicina Veterinária tem se adaptado às exigências frequentes da busca pelo bem-estar animal? Como tem sido a abordagem da questão nas faculdades?
Claudimiro Quireze Júnior - Quando se trabalha diretamente com pesquisa, existem disciplinas, discussões sobre o assunto e isso ocorre naturalmente. Os laboratórios estão impregnados das boas práticas profissionais para experimentação animal, mas no âmbito da graduação isso ainda é pouco discutido.
Willian Pires - Na área de produção animal, algumas universidades vêm buscando experimentações, relacionando produção com bem-estar dos animais. Em congressos e treinamentos, fala-se muito na questão do bem-estar animal, porque se eu não tiver um animal em perfeitas condições, naturalmente não teremos uma boa produção desses animais. Se eu tiver uma criação de aves, por exemplo, sem boas condições de manejo, logicamente não terei uma reprodução satisfatória, que é o objetivo dessa criação. As universidades vêm buscando isso, não como disciplina, mas como um meio de manejo dos animais.
A questão dos maus tratos é um problema recorrente. Há também a tendência de humanização dos animais. Quais são as implicações disso tanto para homens quanto para animais?
Willian Pires - Os extremos são complicados para os animais. O que vejo na questão dos maus tratos, hoje, é a necessidade de educação da sociedade. Logicamente nos extremos é mais fácil observar se um animal está sendo mal tratado, um cavalo de carroça pode estar sendo chicoteado, carregando peso elevado, um papagaio que está numa gaiola de cinquenta por cinquenta centímetros, isso é fácil de se observar. Mas os maus tratos não são só isso. Nós temos que “imprimir” na população o que significa ter um animal de estimação ou de produção. Para se ter um animal é preciso buscar seu bem-estar, a satisfação tanto do animal quanto da pessoa. Isso tem que ser um exercício diário do poder público e da sociedade para estabelecer essa responsabilidade para com os animais. A mesma questão é a humanização, ela traz uma interdependência muito grande, principalmente do animal para com o homem, e não sei até que ponto isso é salutar. Para o animal não é salutar, porque, no momento em que isso for rompido, o que vai acontecer com esse animal? Eu enxergo a questão do rompimento dessa relação no futuro, essa interação tão afim entre o animal e o homem.
Sandra Mara Garbelini - A palavra humanização do animal já traz uma incoerência e desajuste na própria terminologia, porque o animal é um sujeito de direito e ele é visto na condição de animal. E, na questão do extremo, há hoje uma aceitação da sociedade do desajuste que está acontecendo, até como uma carga psicológica do homem moderno. Várias pesquisas vêm mostrando que as pessoas têm suprido suas carências com os animais, tratando-os como se filhos fossem. A sociedade ainda não enxergou que isso também é uma forma de maus tratos. A sociedade enxerga que maus tratos é bater, lesionar ou privar de alimentação, mas a humanização também é um extremo que, do ponto de vista jurídico, pode se caracterizar como maus tratos porque está retirando do animal sua condição de animal. É um desajuste que deve ser tratado de forma séria, dada as ocorrências. Como exemplo, recebi uma denúncia uma vez de uma senhora que, todas as vezes que ia ao salão de beleza, levava também seu animal de estimação, uma pata, para fazer a unha. Vimos isso como uma forma de maus tratos. Acredito que precisamos de outro olhar, apesar do aceite da população.
Quais são hoje os desafios do Ministério Público, em relação às denúncias encaminhadas envolvendo animais? O que é essencial pensar sobre esse assunto?
Sandra Mara Garbelini - A legislação com relação à fauna é recente. Ainda temos vários flancos para o desenvolvimento do trabalho. As denúncias mais frequentes são com relação ao tráfico de animais silvestres, principalmente pássaros. Basta parar alguns ônibus em postos de fiscalização e vários pássaros são apreendidos nessas operações. Um segundo desafio é a pouca efetividade nas leis e preparo do poder público para aplicação, por exemplo, com a destinação dos animais e os abrigos provisórios. No interior não temos uma estrutura para onde encaminhar os animais. Temos um ponto de apoio muito grande, o único que nos apoia, que é o Cetas do IBAMA, que fica próximo a região metropolitana. Mas temos uma estrutura para fazer um devido acompanhamento inicial desses animais que as vezes vão a óbito. Temos ainda por parte do poder público o investimento, em abrigos provisórios e centros de treinamento. Há também o problema dos maus tratos e aí eu diria que o grande desafio que enfrentamos é a cultura de violência que permeia, por exemplo, os rodeios e a questão das rinhas de galo. Há a questão da estruturação pelo poder público, de um apoio maior nesse tema e também, a lei ainda é pouco efetiva por vários motivos: porque as penas são baixas, porque a maioria dos crimes relativos a maus tratos de animais tem pena de detenção de dois meses a um ano. Isso não leva o cidadão nem a prisão, ele já é autuado e liberado imediatamente e tem a pena alternativa. Por isso temos uma reincidência muito grande.
A partir disso, é possível se falar que as leis de proteção à fauna hoje são suficientes para manter o bem estar animal? E os órgãos fiscalizadores são suficientes ou não?
Willian Pires - Acho que o poder público, de uma maneira geral, está trabalhando contra essa questão de destinação desses animais. Há vários mecanismos para abrandar esse problema: primeiro, a criação dos centros de triagem em todos os estados do Brasil com qualidade, em municípios maiores e nas regiões onde há mais problema com o tráfico. Segundo, estimular a questão dos criadores que podem receber esses animais. Desde a Lei 5.197, de 1967, há um artigo que diz que o poder público incentivará a criação comercial de animais silvestres, já pensando nesse problema que ocorre. Mas hoje o poder público faz o contrário, ele desestimula a criação de animais silvestres, ou seja, de qualquer maneira inibe a criação. Só para vocês terem uma ideia, com a Instrução Normativa nº 169 de 2008, a criação de animais silvestre está fechada, porque colocaram que há uma lista de animais que podem ser criados. Porque esse animal pode ou não ser criado? Porque esse animal teve um destino e esse outro não? Voltando aos centros de triagem, o poder público não daria conta de assumir sedes em todos municípios, mas com alguns centros seria possível. Acho que o município de Goiânia deveria ter um centro de triagem, que abrigasse tanto animais selvagens como animais domésticos, que contemplasse diferentes áreas, para não deixar tudo descarregar dentro do Centro de Zoonoses. Ali trabalharia a comunidade, a sociedade, o poder público. Ali seria dado um destino para aquele animal, de acordo com a necessidade de cada um. Há agora uma nova lei que não permite que o Centro de Zoonose de Goiás faça eutanásia, nem captura de animais. Isso é um desserviço aos próprios animais, que ficam errantes dentro da cidade, à mercê de doenças e outras situações. Devemos pensar o destino que deveremos dar a esses animais.
Sandra Mara Garbelini - O Brasil tem hoje um problema muito sério, porque temos um excesso de leis, mas damos pouca efetividade para as leis já criadas. Então não há vontade política para se fazer cumprir a lei. Quanta a atividade fiscalizatória, os fiscais do país são muito aquém da demanda. Fiscalização deveria ser realmente o maior investimento. Há também a alta corrupção e o Ministério Público tem desenvolvido várias operações nesse sentido, tanto no âmbito estadual quanto no municipal, e o que temos visto é que não há fiscais, não há concurso para fiscais, os fiscais são comissionados, ou seja, da escolha do político. A meu ver necessitamos mais da implementação das leis, de dotar estrutura aos órgãos, seja o Centro de Zoonoses que, as vezes, funciona de forma não muito a contento porque falta investimento, como um centro de triagem.
Por que então é importante colocar em pauta essa questão da proteção da fauna e a reunião do Direito, Veterinária e Medicina para discutir esse assunto e como a sociedade pode pensar mais sobre isso e buscar alternativas para esses problemas?
Willian Pires - Eu vejo que a questão da proteção à fauna está ligada a vários contextos. Acho que uma fauna bem manejada, seja naturalmente ou em regime controlado é uma forma de protegê-la seja do tráfico, seja dos maus tratos, seja da humanização. Pensando nos ambientes escassos que a cada dia progridem, é inevitável pensar em aprender a manejar essa fauna em criações controladas. Se nós tivermos capivaras criadas em cativeiro, ou qualquer que seja a espécie que realmente tiver padrão zootécnico para ser criada, inibimos a caça. Há vários aspectos para avaliar, não adianta endeusar o animal que está no habitat, se não tenho essa condição. Vejo que um dos fatores que vai ajudar a inibir o tráfico de animais e a caça predatória é a criação tecnificada, controlada, que é um grande instrumento para proteger a fauna.
Sandra Mara Garbelini - Eu acredito que já evoluímos muito em termos de legislação. Este é realmente um tema interdisciplinar que passa pelo ensino, pela Medicina Veterinária, pelo Direito, pela Zootecnia, por outros vários setores que devem conversar entre si, porque nós ainda temos questões polêmicas que as vezes surgem na veterinária, mas que desaguam no direito. Nós temos que enxergar esse tema sem radicalismos, com o olhar realmente mais científico se valendo dos conhecimentos que até hoje temos adquirido e estar em constante evolução. Mas quando há essa interação, dos profissionais do direito bebendo na fonte dos profissionais da Medicina Veterinária, nos informando adequadamente sobre questões que nós somos leigos e vice-versa, orientando como se deve proceder do ponto de vista legal em alguns tratos, acredito que esse ambiente se torna muito favorável. Sai o radicalismo e sai uma informação precipitada que as vezes chega a justiça de forma apressada e que as vezes nós não sabemos lidar. O congresso é um ambiente de interação, de troca de informações, de evolução. Não temos ainda uma lei nacional e acredito que a sociedade deve acompanhar isso de forma desapaixonada porque nós temos alguns segmentos extremamente radicais que não conversam com a medicina, com o direito, às vezes causam distorções à sociedade, prestam um desserviço à população a pretexto da proteção dos animais. O congresso é o ambiente mais que favorável para que possamos fazer essa interação e principalmente evoluir e procurarmos acertar mais, ajustando essa situação tão delicada e necessária que é a relação do homem com o animal.
Claudemiro Quireze - Eventos como o II Congresso Transdisciplinar de Proteção à Fauna contribuem para aculturar a comunidade cientifica de uma forma muito robusta. Do ponto de vista da pesquisa, difudindo o que se faz de na nossa área na universidade, penso que é nossa obrigação fazer isso chegar até as pessoas, porque o bem-estar animal é um assunto abrangente que não pode ser domínio de um ou outro.
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