Hospital das Clínicas da UFG realiza cirurgia de alta complexidade
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 63 – OUTUBRO – 2013
Hospital das Clínicas da UFG realiza cirurgia de alta complexidade
Cirurgia de reconstrução facial, considerada de alta complexidade, durou mais de 15 horas e reuniu extensa equipe multidisciplinar
Texto: Thalízia Souza | Foto: Divulgação HC
A primeira cirurgia no paciente foi um transplante autólogo, um procedimento complexo que consiste na transferência de tecidos de uma parte do corpo do paciente para a área que será reconstruída
Um procedimento inédito e de alta complexidade foi realizado no Hospital das Clínicas (HC) da UFG no mês de setembro. Uma equipe multidisciplinar formada por profissionais de Cirurgia Plástica, Cirurgia Bucomaxilofacial e Microcirurgia do HC se mobilizou para realizar uma cirurgia de reconstrução facial. Cerca de 20 cirurgiões, residentes, médicos de serviços e voluntários participaram da cirurgia, que foi a primeira desse tipo realizada no Estado de Goiás.
O paciente, Samuel Rosa Rodrigues, de 20 anos, sofreu um acidente por explosão em face, provocado por um fogo de artifício, quando trabalhava na preparação da iluminação de um show na cidade de Caldas Novas/GO, em novembro do ano passado. Por pouco o paciente não veio a óbito, mas, com o acidente, Samuel Rosa teve grande parte de sua face destruída: perdeu todo o nariz, os palatos duro e mole (céu da boca), osso maxilar, boa parte da arcada dentária superior, parte do lábio superior e ossos da maçã do rosto. Samuel Rosa também perdeu a visão do olho direito e está fazendo tratamento no Centro de Referência em Oftalmologia do HC (Cerof).
A cirurgia foi realizada por meio de um transplante autólogo, um procedimento complexo que consiste na transferência de tecidos de uma parte do corpo do paciente (o que se chama de retalho) para a área que será reconstruída. “Nessa primeira cirurgia, nosso objetivo foi reconstruir as ‘partes moles’ da face. Por isso, retiramos pele e gordura da coxa esquerda do paciente e transferimos para a face”, explica o coordenador da cirurgia, Carlos Gustavo Lemos Neves.
Uma outra preocupação da equipe cirúrgica foi recuperar a capacidade do paciente para respirar, deglutir (engolir) e falar. Dessa forma, os cirurgiões fizeram também a separação entre as cavidades nasal e oral, que foram totalmente destruídas com o acidente, formando um “buraco” no rosto de Samuel Rosa.
A cirurgia durou mais de 15 horas e foi a primeira etapa do tratamento, que será constituído de mais algumas fases. A segunda etapa deverá ser realizada daqui a seis meses e será uma outra cirurgia de transplante autólogo para a reconstrução da parte óssea da face. Nessa etapa, que terá o mesmo porte e complexidade da primeira cirurgia, uma parte da fíbula – osso localizado na canela – será utilizada para a reconstrução da estrutura óssea facial para uma futura reconstrução da arcada dentária pela equipe de Cirurgia Bucomaxilofacial. A terceira etapa do tratamento consistirá no implante dentário e a quarta etapa, caso seja necessária, no implante de uma prótese de nariz, já que nesta primeira cirurgia vislumbrou-se também a possibilidade de reconstrução nasal com o tecido transplantado para a face.
Cerca de 20 cirurgiões, residentes, médicos de serviços e voluntários participaram da cirurgia, sob a coordenação do médico Carlos Gustavo Lemos Neves
Cirurgias reconstrutoras complexas são realizadas por meio da Microcirurgia, uma técnica elaborada e realizada com a utilização de métodos de magnificação das imagens, como o uso de microscópios e lupas, que ampliam em até quarenta vezes o tamanho das imagens. Essa técnica é muito utilizada atualmente pela Cirurgia Plástica em procedimentos de reconstrução que envolvam, no mínimo, a ligação de dois vasos sanguíneos de calibres muito finos (artéria com artéria e veia com veia) – dois ou até um milímetro de espessura – para suprir de circulação as regiões do paciente a serem reconstruídas.
Um dos pioneiros na técnica de Microcirurgia em Goiás é o médico ortopedista, especialista em Cirurgia de Mão e Microcirurgia, Mário Kuwae (membro do Departamento de Ortopedia, Traumatologia e Cirurgia Plástica do HC). Ele foi um dos participantes do tempo microcirúrgico realizado em Samuel Rosa, juntamente com outros dois conhecedores da técnica – o coordenador da cirurgia, Carlos Gustavo Neves, e o cirurgião plástico Sinval da Silveira. “A microcirurgia é a essência dos transplantes de tecidos. Sem a utilização dessa técnica não seria possível realizar esse tipo de cirurgia”, destaca Carlos Gustavo Neves. A cirurgia de Samuel Rosa teve envolvimento direto e indireto de todos os membros do Serviço de Cirurgia Plástica, em especial Carlos Gustavo Neves, Marcelo Prado e Sinval da Silveira que participaram praticamente de todo o ato cirúrgico.
Carlos Gustavo Lemos Neves faz parte da equipe de cirurgiões plásticos do HC. Ele cursou medicina na Fundação Souza Marques (RJ), é especialista em Cirurgia Geral pelo Hospital Adventista Silvestre (RJ) e em Cirurgia Plástica pela Policlínica (RJ), cursou pós-graduação em Microcirurgia Oncológica pelo Instituto Nacional do Câncer (Inca) e fellow em Cirurgia Plástica de ex-obesos mórbidos, nos Estados Unidos, no ano de 2007.
Estudo de caso
Para realizar a cirurgia de reconstrução facial em Samuel Rosa, toda a equipe cirúrgica se empenhou e estudou durante seis meses o caso, que foi discutido com profissionais de outros países, como Inglaterra e Estados Unidos, e de outras universidades brasileiras, como Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O planejamento, as estratégias e as sequências a serem adotadas no tratamento de Samuel Rosa foram discutidos e avaliados por toda a equipe de Cirurgia Plástica. O caso foi levado por um dos cirurgiões plásticos da equipe, Marcelo Prado, a um Curso de Traumatismo de Face, realizado em abril deste ano, na cidade de Ribeirão Preto/SP, onde os participantes (brasileiros e estrangeiros) do curso avaliaram o caso e o consideraram de extrema complexidade.
Sob a supervisão do cirurgião-dentista Giovanni Gasperini, a equipe de Cirurgia Bucomaxilofacial montou um protótipo da face de Samuel Rosa que mostra o que foi destruído no rosto do rapaz após o acidente (veja foto abaixo).
Alta complexidade
O Serviço de Cirurgia Plástica do Hospital das Clínicas da UFG, chefiada pelo professor Paulo Renato de Paula, busca a cada dia aumentar e diversificar o número de cirurgias reconstrutoras complexas a serem realizadas. Outros casos semelhantes têm sido tratados no HC pela equipe, que exigem conhecimento e alta especialização dos profissionais. Alguns desses casos são: reconstrução de mandíbula por meio de transplante da fíbula, reconstrução mamária por meio da técnica de Microcirurgia e reconstrução complexa da parede abdominal após grande ressecção de tumor por cirurgia oncológica.
Paulo Renato de Paula destaca que a realização desse tipo de cirurgia mostra que a Cirurgia Plástica não se dedica somente ao tratamento estético, como muitas vezes a especialidade é lembrada pela sociedade e por alguns colegas. A cirurgia plástica também pode ser descrita como uma especialidade orientada para a solução de problemas de difícil cicatrização ou de lesões traumáticas complexas (como sequelas de queimaduras), reconstruções pós-cirurgias oncológicas, tendo como objetivo principal recuperar ou obter uma melhor função da área a ser reconstruída e, simultaneamente, melhorar a aparência estética. “Desta forma, tentamos incluir estas pessoas novamente em seu meio e em sua vida profissional, familiar e psicossocial”, reforça Paulo Renato de Paula.
No caso do tratamento de Samuel Rosa, a maior preocupação da equipe cirúrgica é proporcionar uma melhor qualidade de vida ao mesmo, que ainda precisa do auxílio de uma sonda para se alimentar e de uma cânula de traqueostomia para respirar.
“É importante destacar o papel fundamental do HC e o apoio de sua diretoria para a realização dessa cirurgia, que necessitou de uma estrutura física, material e humana muito especializada. Somente em centros de saúde como o HC seria possível realizar esse tipo de cirurgia, que necessita de um centro cirúrgico bem equipado, de materiais específicos e uma equipe multidisciplinar formada por profissionais especialistas em diversas áreas da Saúde, como Cirurgia Plástica, Cirurgia Bucomaxilofacial, Microcirurgia, Anestesiologia, Intensivismo, Enfermagem, Fonoaudiologia, Nutrição e Psicologia. Além disso, o custo para a realização desse tipo de cirurgia em um hospital privado seria muito alto, inviabilizando, muitas vezes, a realização do procedimento”, avalia Paulo Renato de Paula.
A Microcirurgia é uma técnica elaborada e realizada com a utilização de métodos de magnificação das imagens, como o uso de microscópios e lupas, que ampliam em até quarenta vezes o tamanho das imagens
Uma parte da fíbula – osso localizado na canela – será utilizada para a reconstrução da estrutura óssea facial para uma futura reconstrução da arcada dentária
Condições físicas do paciente
Samuel Rosa Rodrigues recebeu alta hospitalar depois de passar duas semanas internado no HC. Devido à complexidade da cirurgia, após o término do procedimento, o paciente foi encaminhado para a Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde passou três dias. Atualmente, ele está em acompanhamento ambulatorial pela equipe médica, por fonoaudiólogos, nutricionistas e psicólogos do HC.
Após a realização da primeira cirurgia, Samuel Rosa já consegue respirar sem usar a cânula de traqueostomia. Ele também poderá ingerir líquidos por via oral, porém continuará se alimentando por sonda até a realização do segundo procedimento cirúrgico. A traqueostomia também será mantida devido à necessidade de mantê-lo respirando por este meio durante a próxima cirurgia.
A mãe de Samuel Rosa, Jeni Rodrigues, que o acompanhou durante todo o tratamento, diz estar bastante confiante. “Tenho a certeza de que os médicos estão fazendo o melhor para o meu filho. Quando me lembro que ele quase morreu na ocasião do acidente e hoje está aqui se recuperando, isso já me deixa muito feliz”, afirma.
Por sua alegria e simpatia, Samuel Rosa conquistou vários amigos nas redes sociais, que se sensibilizaram com o seu caso. Ele agradeceu a todos que torceram e torcem pela sua recuperação e deixou uma mensagem de otimismo: “Por trás de uma nuvem escura, existe um céu azul”.
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