Entrevista: Participação popular como elemento central na educação
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 63 – OUTUBRO– 2013
Entrevista: Participação popular como elemento central na educação
Texto: Luiza Mylena | Foto: Carlos Siqueira
A reunião anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped) trouxe pesquisadores de todo o Brasil para o maior evento de educação do país, realizado na Universidade Federal de Goiás. O tema escolhido para a Anped 2013 foi Sistema Nacional de Educação e Participação Popular, em que se discutiu como a população pode se envolver na promoção de políticas públicas para a educação. Em entrevista para o Jornal UFG, o professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Dermeval Saviani, explicou o que é o Sistema Nacional de Educação e comentou sobre a participação popular na educação e a importância da pesquisa para mudanças nas salas de aula.
O que significa o Sistema Nacional de Educação para a educação brasileira?
O Sistema Nacional de Educação foi a forma que os principais países encontraram, em meados do século XIX, para universalizar a escola elementar e, com isso, assegurar a alfabetização de toda a população. Os principais países da Europa e também da América do Sul adotaram esse recurso e iniciaram o século XX com o processo que possibilitou a erradicação do analfabetismo.
Com o Sistema Nacional seria possível organizar o sistema da educação com o mesmo padrão de qualidade para toda a população, por isso, é importante que seja nacional, que seja coordenado pelo Ministério da Educação, com um regime de colaboração entre Estados e municípios. Então, a importância do Sistema Nacional é assegurar um mesmo padrão de qualidade à população, por isso é que ele deve ser coordenado pelo Ministério da Educação. Agora, na medida em que os sistemas estaduais e municipais transferem o ensino fundamental para a responsabilidade dos municípios, as adversidades acabam propiciando a desigualdade. Os municípios pobres vão tender à uma educação pobre, os municípios remediados terão uma educação remediada e os municípios com melhores condições terão uma educação melhor, então cristalizam-se as desigualdades. O que reafirma a importância do Sistema Nacional. As dificuldades para implantá-lo no Brasil vêm desde a resistência histórica de se investir na educação e também devido às ideias que secundarizavam o papel do Estado na educação, por outro lado, vêm de uma resistência dos políticos de proceder de forma prontificada, já que a maioria deles age segundo apelos imediatos, midiáticos e populistas ao invés de planejar a atuação na educação de forma a estabelecer metas de médio e longo prazo.
Dentro da teoria da pedagogia histórico-crítica, como é concebida a participação popular?
A pedagogia histórico-crítica é uma teoria educacional que busca reorganizar o ensino e a forma de atuação das escolas, considerando os interesses dos trabalhadores. Essa pedagogia encara a educação como mediadora no interior da prática social, sendo esta seu ponto de partida e ponto de chegada. No ponto de partida, a prática social busca algo que deva ser elaborado e, no ponto de chegada, como algo que deve ser qualificado criticamente. O que a pedagogia histórico-crítica está tentando fazer é desenvolver os educandos de modo que eles passem do nível de senso comum para o nível elaborado e sintético de compreensão da realidade, para potencializarem sua intervenção crítica e sua participação ativa na sociedade. Pois, a prática social, isto é, a participação popular, é o elemento central para a pedagogia histórico-crítica.
Qual a importância da participação popular na determinação das políticas públicas sobre o ensino?
A participação popular é importante em vários sentidos, mas destaco o fato de a população explicitar suas demandas, suas necessidades e, nesse sentido, reivindicar do Estado o atendimento dessas necessidades. Elas são definidas como um direito na nossa própria legislação e cabe ao Estado atender a esse direito. Então, é importante que a sociedade manifeste essas necessidades e também que se organize e pressione o Estado. Pelo fato do Estado ser controlado pelo poder econômico e por interesses de grupos dominantes, ele tende a agir mais segundo as pressões dos grupos dominantes, reforçando, assim, os mecanismos de exploração da população. Reitero que é preciso que a população pressione o Estado para atender às suas necessidades e aos seus interesses em matéria de educação, e ao seu direito à educação de qualidade.
Qual sua opinião sobre as formas de avaliar a educação utilizadas no Brasil, como o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb)?
O Ideb em vários aspectos foi um avanço, porque encontrou indicadores que permitem avaliar não apenas dados, mas também a qualidade de ensino. Por outro lado, o Ideb também integra mecanismos de avaliação, que são marcados por várias distorções, a principal delas parece ser o fato das avaliações se concentrarem em resultados. Essa é uma questão que pedagogicamente foi sendo modificada, já que tradicionalmente se avaliava pelos exames finais. As provas também têm outro viés que é de se concentrar em parâmetros gerais que não consideram as condições específicas das escolas. Nesse sentido, as provas não contribuem para a referida avaliação do ensino. Seria necessário mudar esse sistema e focar na reorganização do processo de ensino, porque não vamos melhorar a qualidade da educação com professores mal formados, mal pagos e condições de trabalho precárias, é preciso tomar medidas que qualifiquem as próprias condições de trabalho.
Como a pesquisa em Educação pode trazer mudanças em sala de aula?
A pesquisa em Educação pode permitir mudanças de diferentes maneiras, como no âmbito das pesquisas sobre as políticas educativas, que detectam o modo como as crianças estão vivendo, podendo oferecer subsídios para os agentes políticos e para os gestores da educação no sentido de modificar determinadas reivindicações que vão surtir efeitos na sala de aula. Além disso, há pesquisas propriamente pedagógicas que examinam as condições que os alunos estão sendo ensinados e o processo de aprendizagem, seja pelo ângulo psicológico, seja pelo ângulo das condições sociais que esses alunos vivem, ou ainda pelo âmbito das características biológicas, que conta com as condições de alimentação, de higiene, por exemplo. Ou seja, aspectos propriamente pedagógicos em desrespeito ao método de ensino que os professores adotam. Esses processos de pesquisa podem auxiliar a melhorar a qualidade do ensino nas salas de aula e, com isso, produzir mudanças nos modos como as escolas funcionam, os professores trabalham e os alunos aprendem.
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