É possível recuperar o rio Meia Ponte?
Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás
ANO VII – Nº 54 – NOVEMBRO/DEZEMBRO – 2012
É possível recuperar o rio Meia Ponte?
Pesquisadores de diversas áreas desenvolvem propostas para manter viva a mais importante bacia do território goiano
Texto: Patrícia da Veiga | Fotos: Webwe Félix e Carlos Siqueira | Mapa: SANEAGO/SUPEA
Que contribuição a universidade dará ao rio Meia Ponte, o principal do estado em uso e abastecimento de água? Em 2009, a UFG, por meio da Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-graduação (PRPPG), levantou questionamento semelhante e convidou estudiosos de diversas áreas a formularem propostas de pesquisa e intervenção. Em outubro de 2012, um programa institucional foi apresentado oficialmente à sociedade durante o seminário Meia Ponte: nosso futuro em suas águas, realizado no Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Câmpus Samambaia.
Seminário realizado no mês de outubro apresentou o programa institucional Meia Ponte à comunidade
Sob a coordenação geral da PRPPG e do professor Maurício Sales, da Escola de Engenharia Civil (EEC), o programa institucional Meia Ponte pretende desenvolver um diagnóstico sistêmico e profundo do rio, além de propor soluções para recuperação e preservação, tais como a formulação de diretrizes para um futuro plano diretor. Para tanto, a iniciativa prevê a realização de cinco subprojetos: Hidrologia, Ambiente Físico, Biodiversidade, Socioeconomia e Educação Ambiental.
A Hidrologia identificará a disponibilidade, em relação à quantidade e qualidade, das águas superficiais e subterrâneas que correm pela bacia. Equipamentos distribuídos ao longo do curso do rio poderão captar, entre outros aspectos, o nível da água e o teor de poluição. “Que perspectivas temos para o futuro? Analisar as águas será importante para que possamos fazer previsões e planejamento”, afirmou o professor da Escola de Engenharia Civil (EEC), Kléber Formiga.
O Ambiente Físico terá como finalidade a cartografia do Meia Ponte, considerando aspectos geográficos, geológicos e geotécnicos. Por meio de técnicas de pesquisa como o georreferenciamento e geoprocessamento será possível reconhecer os usos e a ocupação do solo. “Temos ideia do que provoca, por exemplo, processos erosivos, mas com esse estudo teremos detalhes para reconhecer as fontes de degradação”, complementou a professora Patrícia Romão, do Instituto de Estudos Socioambientais (IESA).
As formas de vida presentes no Meia Ponte, bem como aquilo que as ameaça ou as mantém intactas, serão identificadas pelo subprojeto Biodiversidade. Nele estão envolvidos biólogos, engenheiros florestais, ecólogos, entre outros profissionais, para realizar um levantamento sobre a existência de vegetação, animais vertebrados, invertebrados, algas e plânctons ao longo do rio. “Estamos nos baseando em uma teoria que prevê interdependência entre o meio físico e o biológico. Em lugares onde há cheia, por exemplo, alguns animais não sobrevivem. A reprodução acelerada de algas ou do vulgarmente chamado lodo, por outro lado, pode revelar a qualidade da água”, explicou o professor do Instituto de Ciências Biológicas (ICB), Leandro Oliveira.
O subprojeto Socioeconomia está encarregado de compreender como se deu o uso da terra nas margens do Meia Ponte, no período de 1970 a 2010. Serão consideradas prioritariamente as atividades de agropecuária. “A ideia básica é tentar compreender ao longo do tempo como nós chegamos à situação em que vivemos hoje”, afirmou Fausto Miziara, docente da Faculdade de Ciências Sociais (FCS).
Outra vertente será a busca de um valor monetário para o rio, conforme os usos feitos pela população. “Como podemos ter a medida monetária de um bem que não existe no mercado? O rio Meia Ponte é um bem público, mas tem seu conjunto de valores e é isso o que buscaremos”, explicou Francis Lee Ribeiro, economista e professora da Escola de Agronomia (EA).
Educação Ambiental será o subprojeto dedicado à comunidade que habita as margens do rio, no campo e na cidade. Essa etapa do programa é arrojada, pois envolverá ações de educação e comunicação, buscando conhecer os hábitos e o imaginário da população, bem como despertar em grupos de trabalhadores e educadores a consciência necessária para preservar o Meia Ponte. “Fazem parte de nossas metas elaborar cartilhas ou materiais pedagógicos, capacitar lideranças e professores para abordar a temática da água, desenvolver um site interativo, além de promover rodas de conversa para conhecer o envolvimento afetivo e cognitivo das pessoas com o rio”, anunciou Marilda Shuvartz, docente do ICB.
O programa institucional Meia Ponte está aberto a novos parceiros e a propostas de estudo complementares ao que está previsto. “Na constituição desse projeto, o pensamento é multidisciplinar e não está fechado”, arrematou o professor Leandro Oliveira. Com orçamento inicial de R$ 4 milhões, a iniciativa espera ainda por financiamento. Propostas foram encaminhadas à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e ao Fundo Estadual do Meio Ambiente, sem respostas até o momento.
Fonte: SANEAGO/SUPEA, agosto, 2011, com base em: GPS TrackMaker, Google Earth e Plano Diretor de Goiânia 2007
Premissas da realidade
O rio Meia Ponte nasce na Serra dos Brandões, localizada no município de Itauçu, no centro-sul de Goiás, e segue por uma extensão de 500 km, encerrando seu curso nas imediações de Cachoeira Dourada. Suas águas fazem parte da microbacia do rio Paranaíba e da região hidrográfica do rio Paraná, que engloba mananciais presentes nos estados de Goiás, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina.
De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), a região hidrográfica do Paraná é a mais populosa do Brasil, apresentando densidade demográfica de 69,7 habitantes por km². Nessa faixa territorial estão também os maiores centros urbanos e as principais atividades econômicas do país: da industrialização na Grande São Paulo à agropecuária intensiva no Paraná. Além disso, usinas hidrelétricas de alto impacto, como Itaipu (PR) e Cachoeira Dourada (GO), “bebem” nessas fontes.
Com área de aproximadamente 13 mil km², o rio Meia Ponte ocupa 5% do território goiano e perpassa 39 municípios, abastecendo 48% da população do estado. Seu trajeto é acompanhado pelas principais atividades econômicas de Goiás, na indústria, no comércio e na agropecuária, além de todo o fluxo populacional da região metropolitana de Goiânia e da região integrada, que reúnem um total de 20 municípios e mais de 1,3 milhão de habitantes.
Conforme o secretário de Estado das Cidades e presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Meia Ponte, Igor Montenegro, esse rio recebe o título de mais importante do estado e ocupa o posto de “sétimo mais poluído do Brasil”. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos do Estado de Goiás (Semarh), são lançados no curso do Meia Ponte, todos os dias, mais de 180 mil m³ de esgoto e uma tonelada de resíduos sólidos.
Estudo intitulado Panorama da qualidade das águas superficiais no Brasil, publicado pela ANA em 2012, com dados de 2010, aponta que, no trecho que atravessa Goiânia, o índice de qualidade da água do Meia Ponte oscila entre as classificações “regular” e “ruim”. Isso é preocupante, uma vez que, conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), 80% das enfermidades conhecidas são transmitidas pela água.
Além da poluição, o rio Meia Ponte vem apresentando, desde a década de 1990, gradativa redução de sua vazão, que apresenta fluxo médio atual de 45 m³/s. As mudanças climáticas e os eventuais ciclos de seca podem explicar esse efeito, mas também é relevante observar, nesse processo, sinais de degradação, como ausência de mata ciliar e de galeria em muitos trechos (restam apenas 13% da vegetação nativa), lançamento clandestino de esgoto, acúmulo de entulhos e lixo, focos de erosão, assoreamento e ocupação irregular das faixas de Área de Preservação Permanente (APP). “Na minha opinião, um dos maiores motivos de desgaste para o rio é o desmatamento”, diz o professor Leandro Oliveira, há 20 anos estudando o Meia Ponte.
Na Vila Roriz, em Goiânia, o rio Meia Ponte apresenta sinais de degradação
O caso do rio das Velhas
O projeto Manuelzão, desenvolvido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) no curso do rio das Velhas, pode ser inspiração para a UFG em seu intento de recuperar o rio Meia Ponte. Por isso, Carlos Bernardo Mascarenhas, docente, pesquisador do Centro de Transposição de Peixes da UFMG e integrante do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, foi convidado a ministrar palestra no seminário Meia Ponte: nosso futuro em suas águas.
O professor traçou uma breve trajetória do projeto, cujo início ocorreu em 1997 no curso de Medicina, quando estudantes e professores da disciplina Internato Rural perceberam a necessidade de não somente “tratar” doenças, mas também de interferir em um ambiente responsável por boa parte das enfermidades que acometem a população ribeirinha. Segundo ele, de lá pra cá, três foram as prioridades do projeto: “navegar, pescar e nadar”. “Teremos alcançado nosso objetivo quando as águas do rio das Velhas estiverem apropriadas para essas três ações humanas”, declarou. Esse rio nasce em Ouro Preto, segue por 804 km, corta a região metropolitana de Belo Horizonte e deságua no município de Barra do Guaicuí.
Depois do curso de Medicina, o projeto Manuelzão tomou corpo na UFMG, sendo encampado por diversas áreas do conhecimento (Biologia, Química, Comunicação). Logo em seguida, tomou conta da sociedade civil, com o envolvimento também de comitês e subcomitês de bacias hidrográficas.
Em 2004, a meta de transformar o rio das Velhas em um espaço propício para “nadar, pescar e navegar” tornou-se, finalmente, responsabilidade do poder público. “Em 2010, conseguimos fazer com que gestores do estado e de alguns municípios nadassem no rio. Foi um ato simbólico para a população e para o projeto”, contou Carlos Mascarenhas, destacando que o evento, resultado de uma promessa política, ocorreu a cerca de 200 quilômetros de Belo Horizonte, em um trecho já despoluído do rio.
A meta do projeto Manuelzão é revitalizar o rio das Velhas até 2014. Para o professor da UFMG, dois são os fatores primordiais para que, em Goiânia, a iniciativa do programa institucional Meia Ponte dê certo: “interesse público e mobilização social”.
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Jornal UFG 55 p 12 e 13 | 380 Kb | ccc57ca7565fc316cc9a9f57cb82488f |