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Universidade Federal de Goiás

Impactos da publicidade infantil ainda são pouco discutidos pela sociedade

Em 29/11/12 18:09. Atualizada em 24/11/14 14:13.

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Publicação da Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás 
ANO VII – Nº 54 – NOVEMBRO/DEZEMBRO – 2012

 

Impactos da publicidade infantil ainda são pouco discutidos pela sociedade

Texto: Agnes Arato, Kharen Stecca, e Roberto Nunes | Fotos: Carlos Siqueira

 
Desde 2001, tramita um projeto de lei na Câmara dos Deputados que propõe a regulamentação da publicidade dirigida às crianças no Brasil. Enquanto a lei não sai, vários grupos divergem em relação ao tratamento dado à questão: há os que defendem a proibição total da publicidade infantil; os que desejam a restrição de alguns produtos, como alimentos pouco saudáveis; e aqueles que acreditam que o modelo utilizado atualmente, a autorregulamentação, é suficiente.
Há pesquisas indicando que as crianças são responsáveis por 80% das decisões de compra das famílias. Por isso, foi lançada a campanha Somos todos responsáveis (http://www.somostodosresponsaveis.com.br/), que reafirma a eficácia da autorregulamentação e responsabiliza exclusivamente os pais, que devem guiar os filhos. Ao mesmo tempo, um grupo de pais e mães (www.infancialivredeconsumismo.com.br) cobra uma política pública que auxilie as famílias a prevenir problemas que, em longo prazo, afetarão a esfera pública.
A mesa-redonda do Jornal UFG desta edição convida o professor da Facomb, Magno Medeiros, a psicóloga e professora da PUCGoiás, Malu Moura, e o publicitário da agência AMP, Marco Antônio de Pádua Siqueira, para debater o tema.

 

Professor Magno Medeiros   Professora Malu Moura   Professor Marco Antônio

Magno Medeiros  |  Malu Moura  |  Marco Antônio

 

Movimentos de proteção à infância defendem a regulamentação, enquanto o mercado acredita que a autorregulamentação é suficiente. Qual a opinião de vocês sobre o assunto?
 
Magno Medeiros: Entendo que a regulamentação da publicidade infantil no Brasil tem por base várias leis, principalmente o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária. Sou favorável a um modelo misto que congregue o sistema de regulamentação do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR) e outras leis que normatizem direta ou indiretamente a publicidade infantil. Há leis que versam sobre publicidade de maneira geral e sobre publicidade infantil. O Código de Defesa do Consumidor fala sobre propaganda abusiva e enganosa. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) dispõe sobre uma série de mecanismos de proteção, inclusive na área da publicidade. Portanto, temos diversos mecanismos legais de proteção à criança e ao adolescente. O problema não é a existência de leis, mas de mecanismos mais eficazes de fiscalização da aplicação dessas leis e normas.


Marco Antônio: No Brasil, temos um órgão pouco conhecido da população, o CONAR,  referência mundial por sua atuação responsável. Acredito que tem havido uma certa “vilanização da publicidade”, que a considera a grande culpada por tudo que há de ruim no consumismo. Na verdade, não acho que as coisas sejam assim. A publicidade é uma forma das pessoas poderem comparar os produtos, informarem-se para exercer seu direito de escolha. E acredito que, em relação à propaganda infantil, o CONAR está atuando muito bem. Sou a favor do mercado traçar regras, como disse o professor. Porém, eu acredito que para tudo deve haver bom senso. Hoje as empresas estão cada vez mais responsáveis, tanto social como ambientalmente, porque elas sabem que perderão dinheiro se  não forem responsáveis. É claro que não é unânime. Em todo seguimento há alguém que, em dado momento, vai querer tirar proveito de uma situação, mas as empresas sérias, que pretendem ter vida longa, tratam o consumidor com muito respeito. Então, talvez uma ou outra restrição de curto prazo seria válida. De curto prazo porque acho que, com a atuação do CONAR, o próprio mercado pune quem age de forma errada.

Malu Moura: De fato, o Brasil possui leis suficientes que falam da publicidade e dos serviços dirigidos à criança. Vale mencionar a Constituição federal, que declara ser dever do Estado, da família e da sociedade proteger as crianças. Já o ECA prevê medidas claras de proteção às crianças e adolescentes. Temos também tratados e acordos internacionais que resguardam os direitos infantis. Logo, o problema não é legal. O desafio está em criar condições culturais e sociais de respeito a esse público. As crianças são prejudicadas em seu desenvolvimento por problemas como obesidade, ou exposição precoce a formas adultas de erotização.  As pesquisas apontam que as crianças influenciam no consumo das famílias. Parece que existe uma certa demora em enfrentar o assunto no parlamento, onde existe uma queda de braço entre a política e o mercado em relação ao problema. Precisamos pensar como vamos assumir nossos papéis na proteção do universo infanto-juvenil e o projeto de lei é uma parte desse universo.

O argumento da campanha “Somos todos responsáveis” de que a educação dos filhos é responsabilidade exclusiva dos pais pode ser aplicado nesse caso?

Malu Moura: A família desempenha um papel importante na educação das crianças, mas, certamente, no contexto atual, os pais convivem muito pouco com os próprios filhos. As crianças hoje estão mais expostas, recebendo mais informação da mídia que de seus responsáveis diretos, seus cuidadores. Depositar essa responsabilidade somente sobre os pais é um tanto injusto, considerando que recebemos influências de várias fontes, algumas com pouco espaço para o diálogo, como é o caso da publicidade. Acredito na responsabilidade compartilhada, pois é dever da sociedade, do Estado e da família cuidar de suas crianças e protegê-las. Se a gente delega isso somente aos pais, mais complexas ficam as relações de regulação. É lógico que os pais têm que desempenhar o papel educativo, de formação, mas estamos falando de pessoas em desenvolvimento, assim, somos todos responsáveis pela formação desses indivíduos.

Marco Antônio: Foi colocado que as crianças são responsáveis por 80% das decisões de compra das famílias. Eles têm influência, mas a responsabilidade tem de ser dos pais, pois as crianças são incapazes de tomar decisões sozinhas. Falo na prática, pois tenho filhos. As propagandas de sanduíche que dão brindes atraem, sim, as crianças, mas é nosso dever orientá-los a não optar por um sanduíche só por causa de um brinde. Por isso, embora a criança possa influenciar as decisões, a palavra final é dos pais. Por outro lado, é comum a criança chegar em casa pedindo ou perguntando por um brinquedo que ela viu, não na televisão, ou na internet, mas com um amigo. Não expor a criança à propaganda não significa que ela não vai estar exposta ao mundo. Não é possível protegê-los de tudo. Na verdade, é esse o dilema para as famílias.

Malu Moura: O bombardeio publicitário é muito forte. Está ocorrendo uma disputa por produtos, provocada por desejos socialmente produzidos, travestidos de necessidades básicas. Temos de refletir sobre a questão junto com os  filhos, mas existe todo um processo que enche os pais de culpa por não conseguirem dar o que os filhos querem, então entramos em uma luta desigual. Essas coisas certamente vão influenciar, sim, a relação dos filhos com os pais, inclusive diminuindo o poder dos pais no âmbito educativo.  Existe persuasão na publicidade que atinge a criança de uma forma direta e que certamente repercute em sua relação com o coleguinha da escola. Não são somente os pais que irão convencer a criança. Criança que fala de um objeto para outra criança tem o poder de persuasão também.  Não temos que impedir as pessoas de ter acesso à informação e à comunicação, mas a forma como a comunicação é feita, apelando para o consumo, causa impacto em várias situações, inclusive no universo das crianças pobres. Hoje a violação de direitos  cometida por adolescentes privados de liberdade é, na sua maioria, contra o patrimônio. Algo em torno de 67,8% dos meninos que estão presos cometeram furto e roubo. Porque querem ter o tênis, a última camiseta da Nike. As relações sociais são mediadas pelo consumo, que, em sentido mais amplo, tem a propaganda como aliada.

Magno Medeiros: A gente não pode nem superestimar, nem subestimar o poder da publicidade e dos meios de comunicação.  Todos têm a sua esfera de participação no âmbito dos poderes, assim como têm seu grau de responsabilidade na formação da infância e da adolescência. E por ser muito grande essa força não podemos subestimá-la. Precisamos estar atentos e assumir nosso grau de responsabilidade na batalha pela formação de uma cultura de paz, pautada em valores positivos como amizade, ética, cooperação e solidariedade.  A mídia e a publicidade têm esse papel a cumprir, assim como os pais, a escola, a família, os políticos, enfim, todos os setores da sociedade. Não podemos esquecer que a responsabilidade dos meios de comunicação e da publicidade deve ser proporcional ao poder que a mídia desfruta nas relações contemporâneas. Por esse motivo, não podemos deixar de cobrar dos setores responsáveis posturas de regulamentação e uma fiscalização maior das normas que já existem. A mídia não tem um papel eminentemente educativo, mas ela não deve promover ações antieducativas.

Para vocês, a regulamentação é uma forma de censura? E como ela deve ser regulamentada?


Magno Medeiros: Há uma regulamentação bastante ostensiva e detalhada em áreas como educação, saúde, mas a de comunicação carece de maior regulamentação.  Todas as vezes em que se propõem projetos de lei no Congresso Nacional a respeito da regulamentação na área de comunicação social, os projetos são abortados ou  veementemente combatidos por vários setores das empresas midiáticas.  Mas uma regulamentação mais forte não deve ser entendida como  censura. Por outro lado, não significa dizer que a gente deva aceitar projetos muito radicais como, por exemplo, a supressão total da publicidade infantil, que, na minha opinião, é um erro, um equívoco, que não vai resolver o problema da formação das nossas crianças e adolescentes. Há experiências na Noruega, na Suécia e na província de Quebec, em que a publicidade infantil foi totalmente proibida. Porém, em 25 anos de proibição de publicidade infantil em Quebec isso não melhorou, por exemplo, os índices de obesidade infantil, a grande motivação naquela época. Isso deixa claro que as medidas radicais de cerceamento e de proibição não funcionam completamente. O que precisamos é de  mecanismos para regulamentar minimamente a área da comunicação, e aí eu incluo a publicidade. Esta, sozinha, não é responsável pela violência ou pelo consumo exagerado, pela obesidade infantil, pela erotização precoce.  Há vários outros fatores que competem para a constituição dessa cultura contemporânea.


Malu Moura: Temos que ser radicais na proteção de crianças e adolescentes e isso envolve todos os setores da sociedade, incluindo a publicidade. A criança precisa ter o direito e a oportunidade de ter acesso à produção cultural, mas de outra forma. Vamos ter que encontrar uma solução mista, de como produzir propagandas informativas/educativas para as crianças, para ajudá-las a desenvolver o  senso crítico, a consciência social. Em diversos momentos percebemos o poder a que estamos expostos. E nem todos os meios de comunicação e de publicidade levam a sério a necessidade de  produzir peças destinadas a um público que está em desenvolvimento, que representa um terço da população brasileira, que são as crianças e adolescentes, seres que precisam de proteção social.    

Por que o interesse de setores diversos, como empresas de telefonia, montadoras de automóveis e até de fábricas de desinfetante sanitário, em produzir anúncios para as crianças?


Marco Antônio: Tecnicamente, só há uma explicação para isso, é uma mídia técnica que visa atingir a mãe.  Apesar desse produto especificamente ter o formato de um bichinho, é querer demais que a criança se interesse em comprar um desinfetante, não é ela o foco. Não é um produto a que se pode acrescentar um brinde. Logo, a criança não vai querer um produto desse tipo, não tem a ver com o universo dela.  Em alguns casos, uma mídia técnica prevê algumas exceções em programas infantis, não para atingir a criança, e, sim, os pais.

Mas, no supermercado, a criança não vai pedir para a mãe comprar aquele produto?

Malu Moura: Existe uma estratégia lúdica de atrair a fidelidade da família, porque atingindo um membro infantil certamente você vai alcançar a mãe. Mas há riscos. O primeiro é, de fato, trocar a necessidade pelo desejo. Então o formato de bico de pato do desinfetante, essas associações todas, certamente induzem a escolha de um determinado produto. Acredito que há intencionalidade sim nisso, e, certamente, o que temos que pensar é que, nessa intencionalidade, a gente pode estar deixando as crianças e a sociedade desprotegidas. Sabemos que a atração lúdica é uma estratégia usada  para atrair crianças, você atende o público infantil de forma diferente daquela direcionada a um adulto, com recursos que ela compreenda conforme a idade. O questionamento é: que intencionalidade é essa se a criança não vai comprar o desinfetante? Então quem a gente quer alcançar por meio da criança? São estratégias que indiretamente podem influir nas escolhas que aquele grupo familiar vai fazer.     

O CONAR atua somente quando e se há denúncia, sendo, invariavelmente, lento nas decisões. Porém, até lá, o anúncio já atingiu milhões de crianças com sua mensagem indevida. A proteção da infância não deveria ser tratada de maneira diferente pelo órgão?

Marco Antônio: Na propaganda não vale tudo. Ela não pode deseducar, não pode colocar a criança em risco. Isso está em leis como o ECA. As pessoas têm que ter responsabilidade, bom senso na hora de produzir propaganda, como em qualquer área da vida. As crianças precisam ser protegidas, mas discordo da proibição da publicidade infantil. Ela não vai resolver o problema, ela é apenas um dos elos da corrente. Sobre a atuação do CONAR, pode realmente demorar um pouco, mas eu já vi o órgão retirar comerciais do ar com muita rapidez, com grande prejuízo para a empresa. Ele tem essa responsabilidade, é um órgão do qual o mercado de comunicação brasileiro se orgulha, porque é modelo. Agora eu sou um otimista. Eu quero acreditar que os problemas gerados pelo excesso de publicidade e que atingem a criança são exceções.  Nunca foi feita uma pesquisa para dizer o quanto a publicidade motivou as pessoas a crescer. David Ogawa, considerado o papa da propaganda moderna e mundial, dizia uma coisa simples: sempre que você for fazer um comercial, um anúncio, seja de jornal ou TV, lembre-se de que seus filhos irão assistir. Então, se todo mundo tivesse esse modo de pensar, com essa simplicidade, a gente teria muito menos problemas.  

Magno Medeiros: Essa questão envolve uma série de ações. Nós precisamos de campanhas educativas que alcancem de maneira mais efetiva todos os setores da sociedade. Nós precisamos aprofundar o debate em torno da regulamentação e da autorregulamentação. Eu acredito num modelo misto de regulamentação e de autorregulamentação. Acho que o que está faltando é informação, conscientização, educação e, sobretudo, uma melhor formação dos jovens que atuam no campo da publicidade. É preciso enfatizar também que as crianças e os adolescentes, por conta de sua vulnerabilidade, não podem ser submetidos a qualquer tipo de publicidade que atente contra os laços de cooperação, de solidariedade, que coloque as crianças em situação de perigo ou de insegurança. Temos que impor certos limites éticos para que o vale-tudo não prevaleça nos meios de comunicação de massa.

Categorias: sociedade mesa-redondo publicidade infantil consumo

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